ASSIM COMO PLATÃO
Daisy Melo
 

Saio à luz do sol. Antes, tudo escuro e úmido. Umas sombras fazem figuras esdrúxulas, estampando uns bichos esquisitos na parede e nem sempre dá para esticar a cabeça e perceber que tem algo diferente lá fora. Tem? Dizem que não tem. Que é tudo igual. Não acredito. Entretanto, todo mundo acha que aquelas sombras, cópias imperfeitas de objetos reais, são a única e verdadeira realidade e que o eco das vozes seria o som real emitido por elas.

Antes era um friozinho arrepiando a pele dos braços, retesando os pêlos que nem pele de galinha depenada. Agora é o solzão deixando tudo travestido desse amarelo obsceno que se desmancha, se derrama, me convida quase. Um calor... Uma gota quente brota das têmporas, escorregando pelo nariz, caindo metade na boca. É salgada mas não gosto do cheiro. Namorei uma vez um cara que cheirava a suor misturado com gosto de mar e de sol. Ele, todo salgado. Também não gostava do cheiro. Mas os músculos retesados, firmes, embaixo dos meus dedos crispados... um soluço. Ah, disso eu gostava. Do gosto eu gostava.

Continuo caminhando pela rua. Primeiro ofuscada e amedrontada pelo excesso de luz; depois, acostumei. Vi as várias coisas em si mesmas, até que percebi a própria luz do sol refletida em tudo. Compreendi: é a realidade e o sol é o motivo.

Vou ereta, quase saltitante olhando as vitrinas com os borrões de cores-verão. Um fúcsia agressivo invade meus olhos com violência, quase uma curra e um roxo briga aos tapas com o amarelo-limão-fosforecente que cai desmaiado, inerte, ao lado do azul ultramarino. Lembro do namorado com gosto de mar, sinto os músculos, os dedos nodosos de iatista-classe 470-campeão e o escambau, passando de leve na minha barriga adolescente morena-bronzeada do mesmo sal e do mesmo sol, com cheiro de água de colônia da Avon.

Sou assim, fazer o quê? As idéias pulam, caem esparramadas e cheiram e lambem, me tocam sensíveis. Eu vejo...e sinto.

Muitas vezes quero racionalizar, me visto de séria, saltos altos e terninho, me encerro em mim, comportada e contida, tento ver apenas o visto por todos. Mas, de repente... o cara que passa na minha frente carregando a estátua, pode ser o príncipe encantado, quem dirá que não? E eu acredito. Eu, uma princesa rúbia.

E se ninguém acredita, eu brigo, me desgasto e me esgarço, despedaço. Pedacinhos ínfimos. Só para me ver livre desse mundo onde tudo é escuro e frio, onde sombras dançam, apenas fantasmas na parede de pedra, visão quimérica, coisa medonha, macilenta, mas que todos acreditam.

E do lado de fora? Tem o quê? A R-E-A-L-I-D-A-D-E.

Mas ninguém acredita, pô!

Há! Eu é que sou a maluca.

 
 

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