ANISTIA DOS PECADOS
Rita Alves
As pessoas comemoram, cheias de problemas, mas comemoram. Sorrisos largos, aliviados por não ser preciso ligar para o C.V.V. (dizem que é o período que o telefone mais toca), todos aparentemente felizes.
O Natal é, sem dúvida, uma forma de exorcizar os demônios. De eximir-se das culpas, de entrar de cabeça no mundo do faz-de-conta. Enfeites espalhados pela casa, pisca-pisca para todos os lados para encher os olhos de luz. Neve mentirosa caindo do céu. O que seria de nós sem as ilusões!
Moramos num país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza, mas que no mês de dezembro faz um calor que vem diretamente do inferno e ainda insistimos em usar o estereótipo do Papai Noel com roupa vermelha e quente. Isso deve ser um tormento para qualquer mortal. Pelo menos há uma boa ação nisso tudo. O velhinho aposentado que trabalha no shopping center e fica sentado o dia inteiro com criancinhas choronas no colo está ganhando alguns trocados extras... um pouco de dor nas costas também!
As pessoas que não são capazes de dizer bom dia, de repente são tocados pelo espírito de porco, digo, espírito natalino e começam a planejar o amigo secreto. Se recusar a participar é o mesmo que criar uma discussão, ser chamado de antipático, anti-social, entre outras coisas. Melhor não contrariar. E então aquele monte de gente que não tem nada a ver com você invade a sua vida pessoal, seu momento de lazer, e, além disso, exige presente! Nem todos têm bom gosto, portanto, corremos o risco de ganhar um porta-retrato de quinta categoria, mesmo tendo colocado na lista de sugestões o presente mais simples possível, como um cd, por exemplo.
Todos são tomados por uma fúria inexplicável e o consumismo ferve. É o ápice!As pessoas se acotovelando nas lojas, estacionamentos lotados, vendedoras mal-humoradas, mas ninguém liga. Afinal, é época de paciência, confraternização e amor.
Por fim, a ceia de Natal. As senhoras de forno e fogão, preparando o que poderia ser considerada uma verdadeira orgia alimentar!Toda a família reunida, parentes que nem sequer ligaram durante o ano vêm com aquela beijação sem medidas misturada com angústia disfarçada e comentários infelizes que são engolidos junto com o peru recheado.
Sim, gostamos de noites felizes! Então fingimos uma vez por ano, como se já não tivéssemos fingido o suficiente o ano todo, que somos todos perfeitos, que a família reunida é uma maravilha, que a comida estava deliciosa, e pedindo aos céus, de boca cheia, para que o menino que nasceu na manjedoura nos anistie de todos os pecados.
Falar sobre o que é realmente importante
é uma gafe.
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