ANTROPÓFAGOS
Regina de Souza

 

Excluídos, foram confinados em continentes longínquos.

Sem lenço, sem documentos, nada no bolso ou nas mãos, deitaram seus corpos cansados em camas estrangeiras, aquecidas milenarmente por outras histórias, noutros confins do planeta Terra.

E, porque há terra fértil e cheia de energia espalhada por todos os cantos, espernearam fortemente, cavoucando idéias e exportando arte de vanguarda pra gente, como que nos provando quão enclausurados estávamos em nosso pequeníssimo mundo.

Anistiados, voltaram. Mais ídolos que antes e até mais fortalecidos pela sutileza ausente de seus algozes, foram motivo de nosso orgulho por muito tempo ainda.

Aí, veio o tempo globalizando tudo. A rica fonte da criatividade brasileira secou. Viramos gingle. Duplinhas “calça-de-couro” tomaram o lugar dos autênticos sertanejos. Grupos “óculos-espelhados-sobre-cabelo-ouriçadinho-com-gel” ocuparam o espaço de nossos anistiados ídolos.

Somos agora, os primeiros do mundo no consumo de enlatados do primeiro mundo.

Hoje, ando eu cá, à cata de gente daquela estirpe e descubro por fim que as cicatrizes geradas em nós naquela época, transformaram-se em crateras profundas que jamais serão preenchidas.

Éramos tão ricos! Tínhamos uma espécie de fome pelo belo. Nossos olhos e ouvidos sedentos por arte das boas estão sendo devorados pela inércia intelectual há anos.

Estátua!

 

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