PODE ESQUECER
Nato Borges
Pode esquecer a velha guarda, pode abrandar os bons costumes, dar um tempo na moral, desensacar a viola, cantar de madrugada, bombar a batucada e esquecer a educação.
Pode abandonar a polidez, polir a rispidez, aspirar do ar poluído, expirar o pior palavrão, desencanar da falsidade, zombar da felicidade, ir fundo na tristeza e afundar na melancolia.
Pode esquecer a cama arrumada, a toalha dobrada, o banheiro seco e a louça lavada. Pode quebrar a vassoura, deixar a torneira aberta, a luz acesa e a janela escancarada.
Pode xingar a empregada, fechar o cruzamento, buzinar no túnel, fechar o motoqueiro, deixar vencer a conta de luz, esquecer o condomínio, abrir o gás e a geladeira.
Pode esquecer o vizinho, maltratar o subalterno, enganar o patrão e rasgar seu terno. Trabalhar de tênis, jogar vírus na web, paciência no micro e dinheiro pela janela.
Pode tudo que lhe der na telha, pode qualquer coisa que valha uma centelha, uma agulha que fure seu marasmo. Esquecer que sua vida é uma fagulha.
Pode esquecer, meu amigo, os bons modos, a vida saudável, o álcool sociável e o sexo seguro. Pode abandonar convicções, desrespeitar religiões e chorar aos borbotões.
O caos é seu refrão, amigo
velho, seu novo companheiro, seu guia estradeiro, seu peão de boiadeiro.
Pode esquecer de tudo um pouco e viver como um louco. Se lhe perguntam por que,
não perca seu tempo, nem gaste seus neurônios. Diga, de modo simples:
a vida, meu velho, a vida me deu anistia!
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