MACHÃO POR OCASIÃO
Jayson Viana Aguiar
No bairro, Ricardo tentava negar, em vão,
a fama de ser mandado pela esposa. Como esconder o óbvio? Afinal, Regina
era uma fera. Pela orelha, arrancava o esposo do bar da esquina para que ele
fosse lavar a louça da pia. Os gritos que dava no marido, em casa, eram
escutados de uma ponta a outra do quarteirão.
Entretanto, uma série de coincidências veio acudir a combalida
reputação de machão que Ricardo queria defender, mesmo
que só na fachada.
No domingo, Regina escorregou no boxe do chuveiro, caiu e bateu a cabeça
a ponto de abrir um corte de cinco centímetros que empapou-lhe de sangue
o cabelo. Mais que depressa, Ricardo pôs a mulher no carro e a levou ao
hospital que ficava no bairro para que tomasse uns pontos no corte. Na terça-feira
à noite, Regina, meio convalescente, estava na cozinha com uma taça
de sorvete na mão, quando escorregou no piso cerâmico e caiu. A
mão que
segurava a taça viu esta se quebrar e abri-lhe um corte. Ricardo não
titubeou: pôs a esposa no carro e novamente a conduziu ao hospital do
bairro. Regina tomou dez pontos no corte da mão. No sábado que
chegou, culminando uma semana em que Regina não tivera forças
para gritar com o marido e nem condições físicas para ir
buscá-lo no bar pela orelha, pisou no skate de Júnior que invariavelmente
estava espalhado pela casa. No tombo, quebrou duas costelas. Ricardo, já
se acostumando com a rotina, levou a esposa ao mesmo hospital pela terceira
vez na semana. Ele, enquanto aguardava Regina que recebia o atendimento médico,
viu uma mulher se aproximar e puxar conversa:
- Boa tarde! Disse a mulher.
- Boa! - Esperou Ricardo que ela tivesse entendido a resposta.
- Sou assistente social do hospital e me foi relatado pelas enfermeiras que
é a terceira vez que sua esposa dá entrada na emergência
só esta semana. Há alguma espécie de coação
dentro de vossa relação conjugal?
- Não tenhas dúvida! Ricardo confirmou aquilo que o bairro
inteiro sabia.
- E por que bates em tua esposa?
Por um momento Ricardo ficou em saber o que dizer. Intuiu que a assistente social
não morava no bairro e desconhecia o fato dele ser o coagido. Resolveu
fazer com aquela mulher o que não conseguia fazer com a vizinhança.
- Não aconteceu nada além do que ela realmente merecesse - disse
ele com certa convicção.
- Isto te torna mais macho? Ela já havia deixado o profissionalismo
de lado e levado a coisa para o campo pessoal.
- Macho não. Machão!
A assistente, ao escutar a mentira tida como verdade, saiu repentinamente para
retornar um minuto depois, acompanhada de dois policiais militares.
- Este é o espancador de mulher! A funcionária do hospital
falava e apontava para Ricardo.
O homem não se abalou. Pelo contrário, foi preso com um sorriso
estampado nos lábios. E ainda ficou mais feliz quando, já na delegacia,
um repórter de jornal disse que iria publicar a foto de Ricardo na primeira
página como espancador de mulheres. Ele não poderia achar melhor:
a turma do bairro teria muito o quê comentar. Seria o resgate de sua imagem;
a anistia de sua reputação. Lamentou apenas não estar lá
para ouvir o que diriam.
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