REGAR O AMOR E PERDOAR
Ivone Carvalho


Aprendera a amar, enfim! Passou a flagrar-se vivendo diuturnamente com ele nos pensamentos, à espera de uma mensagem, um telefonema, um encontro.

Tudo que fazia ou acontecia no seu dia-a-dia já ficava “agendado” em sua mente para partilhar com ele. Contava os minutos para estarem juntos de alguma forma. Tantas vezes eles se despediam e ela, que ficava ali parada, como se ele fosse voltar a qualquer instante, perdida em seus pensamentos, sorrindo ao lembrar-se de detalhes que lhe fizeram tão bem à alma, ou até intrigada com algum momento em que nem tudo era paz, lembrava-se de algum detalhe que esquecera de comentar e isso era o suficiente para ficar ansiosa pelo novo encontro. Sem contar a saudade que já nascia no momento de cada despedida.

Quantas vezes ela se concentrava tentando transmitir seus pensamentos por telepatia, chamando-o insistentemente, pedindo para que ele a ouvisse e viesse vê-la, pois ela não suportava mais ficar um minuto sequer longe dele! E, como num passe de mágica, ele chegava em seguida, quase sempre perguntando: “Você estava me chamando? Eu ouvi!” E ambos riam e sabiam-se amados ardentemente.

Ah, como foram maravilhosos aqueles meses! Ela não se cansava de cantar o amor que sentia e ficava até chateada, ao mesmo tempo que feliz, quando ele reclamava que não suportava ficar tanto tempo longe dela. Também ela o queria perto o tempo todo. E ele se fazia presente o maior número de vezes que lhe fosse possível, freqüência essa que a fazia sentir-se cada vez mais amada e muito mais feliz, porque não há nada melhor do que se sentir amado por quem a gente ama.

Entretanto, e sempre tem um entretanto, a certeza de serem tão amados quanto amavam, fez com que ambos passassem a não zelar da forma como deveriam, por aquele relacionamento que os fazia realizados sentimentalmente e extremamente felizes.

Como sempre dizem os poetas, o amor é exatamente como uma plantinha.

A semente pode ser minúscula, mas germinará se receber o alimento que necessita da terra, do ar, da água, do sol, da sombra. E crescerá, reproduzirá, dará flores ou frutos dos melhores aromas, da maior beleza, da mais inconteste qualidade.

E fará bem à nossa alma, ao nosso corpo, à nossa vida. E toda essa magia acontecerá não por milagre, mas porque o milagre é exatamente o cuidado que ela tem que receber desde a semente. E sua vida poderá ser longa o bastante para que possamos dizer que até a plantinha pode ser eterna. E será sim, porque ao morrer ela já terá deixado suas filhas, seus brotos, as novas plantinhas que lhe darão continuidade como se fossem elas mesmas. Assim é o amor: ele será renovado sempre e durará por toda eternidade.

E eles não tiveram esse cuidado. Não regaram seus sentimentos como deviam. Substituíram a água pela desconfiança, o sol pela cobrança, o vento pelas palavras duras, a sombra por silêncios constantes, a chuva pelo distanciamento e simplesmente esqueceram de adubar a plantinha a cada momento que ela esmorecia. Ambos sabiam que bastaria alimentá-la para que ela sobrevivesse e em pouquíssimo tempo reconquistasse a beleza, o perfume, o viço, a vida. E por uma razão muito simples: a semente tinha sido semeada e tratada por eles com todo carinho e com os sentimentos mais puros e profundos que verteram de seus corações.

Sabiam que também era mais trabalhoso, desgastante e dolorido fazer as substituições que estavam fazendo, mas não atinavam pela gravidade dos seus atos. Quando um vinha com o regador o outro providenciava a chuva e muita água mata a plantinha! Quando um a colocava no sol, o outro a recolhia para a sombra, esquecendo que o calor e o alimento extraído do sol funciona como verdadeiro fortificante para a plantinha.

Enfim, ambos sabiam que a aquela semente plantada pelos dois no mesmo instante, a quatro mãos, não queria morrer, não podia morrer, não morreria jamais, mas que tinha que ser cuidada para não ficar eternamente doente e não mais conseguir produzir as flores tão perfumadas, tão coloridas, tão lindas que nasciam a cada instante enquanto a regavam juntinhos.

Impunha-se a anistia. De ambos para ambos. Os dois erraram, os dois se descuidaram, os dois esqueceram-se da poda, da rega, do adubo.

Contam que até hoje os dois esperam pela anistia do outro e que um deles declarou não acreditar e até negar a existência da semente que ele mesmo plantou, demonstrando, assim, falta de confiança, fé, em si mesmo, no amor que foi capaz de semear e fazer crescer, pois nenhum sentimento adquire força e vida se existir apenas unilateralmente.

Talvez eles ainda não se conscientizaram que o amor é como a plantinha, e que é a eles – amor e planta – cabível a virtude do orgulho, eis que somam beleza, perfume, pureza, cor, graça, brilho. E isso é tão verdade que o presente que mais representa o amor é a flor.

E isso não é por acaso!

 

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