RITO
SUMARÍSSIMO
Ana Terra
Numa rua empoeirada de uma cidade nordestina vivem as famosas rendeiras. Andava por ali, fascinada com a habilidade das mãos daquelas mulheres simples que transformavam fios de linha em tramas maravilhosas. Mãos fortes e calejadas pela dureza da vida que não perderam a delicadeza. Um festival de rendas e poemas.
O sol estava implacável. Para me proteger, sentei na entrada de uma pequena loja, onde uma mulher tecia o filé num tear rústico. A prosa veio fácil.
De repente, a rendeira levantou os olhos e, olhando para a rua, gritou: Que é isso, mulher? Está doente?
Curiosa, acompanhei a cena. Na rua caminhava uma moça magra, pele e osso. Nas mãos ela trazia um envelope úmido de suor.
Seus olhos estavam perdidos. A rendeira repetiu suas perguntas e só obteve como resposta: Desgosto, dor de dor, desgosto, dor de amor e nada mais.
O envelope foi aberto pela rendeira. Ali estava uma fotografia de uma moça bonita, que sorria feliz numa praia qualquer. Examinando com mais atenção dava para ver as formas da moça desiludida.
Um grupo de mulheres juntou na porta da lojinha. A rendeira levantou decidida. Colocou no chão seu tear e tirou a foto das mãos da moça, que curiosa, observava os acontecimentos.
Um discurso peculiar foi improvisado. A foto foi passada de mão em mão.
Olhos perplexos comparavam a mesma pessoa em estado de espírito opostos.
O silêncio era profundo. A prova material do crime estava sendo examinada.
À revelia, o réu foi julgado. As juradas foram unânimes em condená-lo, sem perder tempo com atenuantes ou agravantes. Um rito sumaríssimo determinou a sentença, proferida pela juíza: Pé no traseiro dele.
A vítima permaneceu calada. Terminada a sessão pegou sua foto e jogou o envelope encardido no lixo. Continuou seu caminho desviando-se dos buracos. Seus passos eram fortes e decididos. Ergueu sua cabeça e, vez por outra, olhava a foto da moça bonita e feliz.
Ficou no ar a pergunta. Haveria ou não
anistia naquela alma?
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