COVARDIAS DA DOR
Virgínia Pinto
Nada melhor que um grande dia para voltar feliz e exultante para casa. Ledo
engano. Tudo correu bem, acima do esperado, mas a sensação de
vazio e saudade a envolveu. Mais que isto. Tomou conta, imobilizou e derrubou.
- Liguei só pra dizer que hoje pensei em você desde cedo.
- É? Que bom! Estou aqui tomando uma cerveja de final de dia difícil.
A boca emudeceu. Por que será que alguns finais de tarde são tão tristes?
- Estou pensando em você desde as 6:30hs da manhã, no exato momento em que coloquei a roupa que ganhei de você, de aniversário.
- Ficou bonita?
- Se fiquei não sei, mas me senti.
A ligação poderia ter continuado horas a fio, mesmo que não precisassem emitir som algum. Só de saber que ele estava do outro lado era bom e confortava. Emudeceu. Melhor disfarçar o embargo da voz e dizer que era só isto. Despediu-se com palavras comuns, o mais rápido que pode e começou a chorar. Descobriu há algum tempo que as lágrimas são a melhor forma de resolver o que não pode ser resolvido. Soluçou. Lembrou do dia em que foi levada, de surpresa, a uma loja elegante e ele escolheu a roupa que melhor lhe caía. Chorou mais forte. Nunca ninguém havia feito isto com ela e aquela lembrança era um mix de amor, carinho e saudade. Embora ambos tivessem posto um ponto final, o sentimento nela fluía como se estivessem juntos naquele instante, como se tivessem perdido a parte boa da vida e culminava numa dor profunda que apertava seu peito e deixava seus olhos vazios.
Titubeou mas, ligou de novo.
- Depois que desligamos não consegui mais parar de chorar.
- Não me diga! O que está acontecendo?
- Não sei. Me lembrei que nunca ninguém tinha me feito tão feliz algum dia.
- Mas que bobagem, eu também fiquei muito feliz no dia em que lhe dei o presente e você também foi muito legal comigo.
- Não sei. Sinto uma coisa tão estranha quando uso aquela roupa sem estar ao seu lado.
- Ah! Então eu deveria ter remorso quando me enrolo nas toalhas que me deu!
Começaram a rir juntos. A dor foi diminuindo. Imaginou ele na toalha, ela na melhor roupa e... Melhor desligar antes que a dor a traísse e pusesse tudo a perder. Desligou e chorou um pouco mais, para aliviar o vulcão que explodia em seu coração.
Olhou o horizonte. A luz que entrava pela janela, no instante em que sentiu a primeira lágrima cair, não existia mais e sua alma estava imersa num instante vazio. Já era noite. Engoliu seco. Abriu a porta do quarto e foi lavar o rosto, por que tinha convidados para o jantar. Retocou a maquiagem em silêncio.
Covardias da dor. Armadilhas do amor.
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