BOM
DIA
Ubirajara Varela
Era de manhã bem cedo. Eu caminhava por uma avenida no centro. A cidade ainda estava despertando e não tinha aquela aparência assustadora dos horários de pico. Pelo contrário, olhando as poucas pessoas que por mim cruzavam, eu sentia uma certa alegria, bom humor que me fazia cumprimentar a todos de forma quase involuntária:
Bom dia.
Depois de uma semana de insônia, trocando a noite pelo dia, eu estava realmente me sentindo bem. Tão bem, que não percebi uma mulher me observando, se aproximando, até que me pegou pela mão.
Posso ler a sua sorte?
Sem saber direito o que acontecia, cedi ao convite. Pode.
Você está bem no trabalho?
Respondi que sim.
Sim, eu vejo. Vejo também que você passa por um momento difícil. Relacionamento amoroso. Mas não se preocupe. Há uma nova mulher no seu caminho. Ela é bonita, esperta e decidida.
Eu não sei como ela acertou assim, de primeira. Mas também não seria difícil. Um homem na minha idade, ou está passando por um problema financeiro, ou por um problema afetivo. E a minha insônia foi causada justamente pelo fim de um namoro.
Desatento, dei a ela uma cédula, acho que de cinqüenta reais. Esses ciganos têm essa facilidade de tirar dinheiro da gente, falando coisas agradáveis que nos dispersam. Uma vez, conversando com um amigo psicólogo, bate-papo de boteco, ele falou sobre a história dos ciganos e as muitas lendas que eles próprios fazem questão de alimentar. Existe uma suposição que, entre eles, nas festas dionisíacas, regadas a vinho, música e sexo, o próprio diabo se manifesta, dançando bailados de que até Deus duvida.
Quando saí do trabalho, resolvi caminhar até meu apartamento pela mesma avenida por que passei de manhã. A calmaria ia novamente tomando o lugar da agitação urbana, mas de forma um pouco diferente. Primeiro porque a cidade agora adormecia e segundo porque a agitação estava apenas camuflada, reduzida a pontos estratégicos de boemia que durariam até a próxima manhã.
Uma voz me chamou. Era a cigana novamente. Num vestido preto, seu semblante era encantador. Novamente cedi. E fomos conversar em algum bar, não me lembro muito bem como. Os ciganos realmente possuem uma mágica. Excluindo as lendas e suposições muitas vezes preconceituosas, é um povo cheio de mistério e encanto. Principalmente as mulheres.
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Faz um mês que estamos namorando. Eu e a cigana. Juntos. Quem diria. Acho que ela acertou na previsão, quando disse que havia uma mulher bonita, esperta e decidida no meu caminho.
O que diria o meu amigo psicólogo
agora, a respeito desse caso. Certamente contaria uma nova história
sobre ciganos. Os psicólogos são assim: cheios de histórias
agradáveis que dispersam a gente para, no final de uma sessão
ou bate-papo num bar, pagarmos a conta sem perceber o que estamos fazendo
realmente.
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