A ÚLTIMA VALSA
Tatiana Alves
O motor da lancha quebrara-se novamente.
A idéia de ser um lobo do mar não lhe parecia, agora, tão
atraente. Os filmes que mostravam a face romântica do velejador ou navegante
se esqueciam de retratar os dissabores de quem passa a maior parte do tempo
enjoado ou com sal no corpo. O ressecamento de sua pele era tamanho que ele
sentia como se houvesse uma crosta em lugar da epiderme. Além disso,
a solidão curiosamente, o isolamento fora o fator preponderante
quando da compra do barco começava a cansá-lo. Em terra,
sentia-se um intruso. No mar, um invasor. Se em algum lugar houvesse algo capaz
de prendê-lo, amarraria sua melhor âncora para ali se fixar. Mas
não. Sua errância devia-se em grande parte à solidão
que, de resto, sentia muito antes, mesmo quando
cercado de gente.
Sem ninguém por perto e com o rádio sem comunicação, restava-lhe somente aguardar que algum barco cruzasse o seu caminho. Passou uma lata de cerveja pela testa a fim de se refrescar. Seu gesto foi interrompido pelo apito de um navio não, era um iate que se aproximava, imponente.
Já a bordo, foi convidado a tomar
parte no baile que acontecia naquela noite. Seus trajes informais não
o impediram de beber e dançar ao som daquela música inebriante.
O ar vindo do mar, somado à magia que parecia emanar daquele convés,
trouxe-lhe uma satisfação que há muito não sentia.
Ou talvez nunca a tivesse, de fato, sentido. A moça que tinha em
seus braços a sensação era a de que ela jazia, lânguida,
deixando-se conduzir sem reservas olhava-o como se lhe quisesse tragar
a alma, parecendo conhecê-lo mais à medida que seu olhar o penetrava.
A cada vez que ele tentava iniciar uma conversa, ela punha-lhe os dedos sobre
os lábios, impedindo-o de quebrar o encanto.
No final da noite, ele achava-se exausto. Não quisera interromper a dança com medo de perder a companhia da misteriosa mulher que tanto o fascinara. Para seu espanto, ela estendeu-lhe a mão, convidando-o à sua cabine.
Então ele acordou. Não bebera
tanto assim, mas inexplicavelmente não conseguia se lembrar de nada do
que acontecera depois. Olhou ao redor e descobriu-se sozinho. O
doce perfume da moça nem seu nome ele sabia ainda pairava
na cabine que, não fosse por isso, não continha nenhum sinal de
vida. A umidade e o mofo do lugar em nada se pareciam com a opulência
do resto do iate. Pensando em tomar um banho antes de ir ao encontro da moça,
verificou que a pouca água que saía das torneiras era enferrujada,
como se há muito não fosse solicitada. Assustado, saiu da cabine
e vagou pelos corredores, apenas para confirmar aquilo que no íntimo
já sabia : não havia indício de vida naquele navio. Como
se tivessem transcorrido cinqüenta anos, o espetáculo que se anunciava
a seus olhos era estarrecedor. O salão luxuoso da véspera havia-se
transformado em ruínas, o mesmo acontecendo com tudo ao seu redor. Correu
ao convés, na esperança de se
deparar com alguma coisa que o certificasse de que não enlouquecera.
O iate passava agora por uma embarcação menor, que não
parecia querer dele se desviar. Correu para o
comando, descobrindo que estava à deriva. Um arrepio perpassou-lhe o
corpo. Agora ele também era um dos fantasmas daquele navio.
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