ARMADILHAS ETÍLICAS
Suzana Garcia
Acordou com batidas tão fortes na
porta que achou, por um momento, que o mundo estava acabando.
Ainda meio tonto, esfregando os olhos, capengando de sono ou do porre, abriu
a porta.
O mundo estava realmente acabando,pelo menos pra ele.
Miguel, assim era seu nome, ouviu voz de prisão e sem saber , ao certo,
o que acontecia, vestiu suas calças, literalmente enfiou os sapatos ao
mesmo tempo em que era algemado.
Tentou entender o que acontecia, mas o policial descrevia seus direitos de ficar
calado tão alto que Miguel não conseguia pensar.
Só o fez no camburão.
Lembrou da rua , do bar, dos drinks, da música e do olhar.
Helena.
Do outro lado do bar, entre vãos de ombros , um olhar verde, claro como
o mar.
Helena.
Como que congelado, caminhou até ela.
Um sorriso e um aperto de mão. Quente como seu sangue.
Um beijo. Doce como seu último suspiro.
Lembrou que Helena apertou sua mão, puxando-o pra fora.
Um táxi, uma longa escada,cheia de sorrisos e trejeitos que o encantara.
Uma porta azul abriu um cenário que nunca vira antes. Sentou se
em uma marquesa de veludo bordeux sob um tapete de mais ou menos uns três
centímetros de altura. Lembrou-se também que o sangue mimetizado
em meio a tanto pelo o confundiram .Não sabia , ao certo, se no tapete
havia água ou se Helena ali jazia.
Vamos, tente lembrar! Tente ! O ruído da sirene o deixava zonso. Não
conseguia pensar.
Somente imagens loucas iam e viam , abraços, beijos molhados, movimentos
intensos, o calor do corpo de Helena, seu ardor, sua fúria, seu prazer.
Lembrou de uma sombra, em pé, ao lado da cama.
A sensação de gozo, o brilho da lâmina, o relaxar do corpo
de Helena , o sangue quente escorrendo por todo seu dorso. Melado como o mel
que escorre quando o favo é quebrado. Consistente e doce.
Helena gemeu em seus braços.
Tentou entender. Sacudiu Helena, ouviu alguém descendo as escadas correndo
.
Passos fortes. Coturno em piso de madeira, tão forte que parecia que
o mundo ia acabar.
Ainda meio tonto, de sono ou de porre.
Acordou.
Apenas lembrando que na noite anterior bebera muito.
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