NEM DÁ PRA CONTAR!
Lena Chagas

É pura vontade de desabafar. Quase não ouso! Primeiro, porque não me acreditariam; segundo, com certeza, diriam que meu nível de neurose superou todas as tabelas do aceitável antes do internamento. Por isso, no máximo, minha coragem avança até este texto que pretendo guardar, esquecer ou deletar, depois de usá-lo como minha catarse.

Já suportei tudo o que pude suportar! Pensei em várias alternativas para solucionar o que, a cada setembro, tornou-se uma tortura para mim. Em todos os anos, nesta época, recomeça esse inferno que acaba com o meu sossego até que o inverno retorne.

Se, ao menos, existisse um momento do dia ou da noite em que eu pudesse esquecer, ao menos esquecer! Mas nem isso! Como esquecer o que se faz insistente e ininterruptamente presente? Já esqueci até de como seria esquecer, de como seria viver uma primavera e um verão sem esse tormento. Seria a paz, a volta ao sossego! Quem dera!

E não há o que o supere: do blues à MPB, no agudo ou no grave, a menos que meus ouvidos estourem com tantos decibéis, lá no fundo está ele. Presença indefectível!

Não se trata de um canto nem de um gorjeio. Não é um som melodioso que me dê boas-vindas todas as manhãs; nem uma cantiga suave que me faça dormir e ter sonhos coloridos; ou ainda se fosse um trilar eventual, passageiro!

Seu grito simplesmente quebra a música e o clima, acaba com o assunto e o romantismo, atropela o silêncio e o pensamento, impede meu sono, interrompe meu sonho, me acorda mais cedo, retarda o meu deitar, jamais me abandona! É uma companhia permanente, estridentemente sonora.

Parece até que nem respira! Seu assobio é longo e ritmado, sempre igual, repetitivo, sílaba a sílaba. E constante; infernal e enlouquecedoramente constante. Começa numa nota, sobe, desce, vai à última, às vezes um tom diferente (raro!) e volta. E recomeça sem nem ter parado.

E está sempre lá, no mesmo lugar. Sempre à mesma distância, como se calculasse a própria segurança. Parece saber o risco que corre, mas ignora o incômodo que causa, o ponto de saturação em que deixa meus nervos.

Não foram poucas as tentativas para abrandar tamanha perturbação. Tampões de silicone nos ouvidos foi a melhor delas. Tão eficiente que nem o despertador eu podia ouvir de manhã! Descartada! Fones de ouvido com música: quem dorme com um barulho desses? Alçapão com isca irresistível: intocável e indiferente ao assobiador histérico. Sem chance! Atitudes mais agressivas e diretas não seriam bem-vistas, além de incompreendidas e totalmente repudiadas pela vizinhança que não parece incomodada com presença tão indesejável.

Reconheço meu fracasso! Ou seria a lucidez superando a insanidade? A verdade é que escolhi a opção “os incomodados que se mudem” à de um ataque de nervos iminente.

E que o poeta me perdoe, mas “As aves, que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá!”



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