A DANÇA
DA LIBERTAÇÃO
Leila de Barros
Aurélia desejava ardentemente um pedido de perdão. Passara mesmo a fundamentar sua vida nessa espera crônica. Fechou todas as cortinas do casarão, andava sempre a meia luz, quando não a luz de velas.
Sua tez já meio branquela andava
pálida com a falta de sol.
Achava que poderia usar a nosomântica para seus próprios males,
mas essa pretensa idéia levou-a ao encontro de reflexões impensáveis.
Alimentava-se com essa idéia fixa e estapafúrdia de que deveria receber esse pedido de perdão para que pudesse seguir em frente. Não percebia o tempo passar, as horas se derramarem pelos ralos e tapetes da sala em um fluxo de ressentimento e bolor.
Aurélia não vivia, ansiava pelo perdão infinito. Não via o sol entrar pelas frestas convidando-a a um novo recomeço.
Ela dormia em vida. Ressonava e revirava-se em minúcias e bagatelas remotas que compunham seu travesseiro. Estava travada e não se olhava nos espelhos do casarão.
Ganhou um bonsai e deixou-o morrer sem aguar...Ganhou um pássaro livre, mas desprezou-o, até que ele se foi em revoada para os ares marinhos.
Fizeram-lhe uma canção e ela não desejou ouvir o concerto. Desejava o perdão ainda que tardio. Era cativa de um desejo sobre o qual não tinha controle.
O fim do ano aproximava-se...
Vieram os arquitetos realizar o Feng Shui no casarão. Aconselharam novas cores, uma cromoterapia nas paredes, quem sabe uma ponte entre a alma ressentida e a reconciliação colorida.
Aurélia acordava lentamente ao admirar o rosa pálido do salão de chá. Sorria levemente ao deparar-se com o verde da sala de piano. Dedilhou algumas notas suaves, que saíram dançando invisíveis por todos os recantos do ambiente.
Aurélia desejou vislumbrar um raio de sol. Caminhou lentamente até a varanda e pôs-se a observar o desfecho lento da iluminura celeste que manchava o céu de lilás e rosa.
Pensava no perdão que não viera e no acorrentamento de almas que estava vivenciando.
Desejou ardentemente libertar-se daquela armadura impiedosa e insana, daquela armadilha em forma de teia de aranha que armara ao longo dos anos. Precisava respirar, desatar os nós, arrefecer a febre do perdão.
Desejou ter uma bola de cristal. Desejou um bonsai, uma sonata lenta como um balé, um pássaro branco e um espelho dágua.
Desejou espreguiçar-se na rede larga e rendada.
Aurélia se cansara daquela espera longa e tosca. Desfez-se de todas as suas roupas e decidiu mergulhar no lago.
Renasceu desse ímpeto aquoso e começou a caminhar nua pela planície que já começava a ser orvalhada.
Uma estrela cadente rompe o céu e
ela faz um novo desejo.
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