DE QUERATINA
Elaine Grava
Cortava as unhas da mão enquanto passavam
pela catraca o japonês, a senhora gorda e moça dos olhos d'água.
E tinha um certo azedo na cara. De botar medo até mesmo naqueles que
ditam ditados por aí, misturando fome com cara feia; e isto nada mais
é que coisa de quem perdeu os argumentos, ou que estes estão mal
das pernas, ora bolas.
Pois então. Ele cortava e cavocava a sujeira debaixo das unhas com aquele
lado afiadinho do cortador, e o fazia com grande presteza e atenção
para depois maldizer baixinho cada passageiro que estivesse precisado de trocos.
Levantou-se a morena clara até que bonita e perguntou se o ônibus
passaria em tal lugar, ao que ele respondeu com algumas pedras na mão
- "Passa, humf".
E a dos olhos d'água o observava quietinha como os passos miúdos,
quase que prendendo o ar para não atrapalhar Azedume em sua tarefa gostosinha
de cavocar sujeiras debaixo da unha.
E pensava ela que aquilo era tão poético e cinematográfico,
ora se era. Ô.
E o ônibus ia se limpando, se despindo de tanta gente-olhos-livros-cadernos-valises-mochilas-bocejos-preguiça,
enquanto as unhas de Azedume ficavam cada vez mais limpas, cada vez mais curtas,
curtinhas.
A dos olhos então atinou para a fantástica armadilha dele, tão
bem arquitetada, ó meu pai - cortar as unhas e cavar sujeiras para que,
desta feita, toda a gente limpinha-asseada-politicamente correta-agradabilíssima
ficasse, digamos, um tanto enojada-entojada-enjoada e aos poucos, saltasse do
seu, e somente seu habitat.
- Sim! - gritou a imaginativa moça, aquela.
Azedume olhou-a e, muito lentamente, formatou um risinho de canto de boca.
E as unhas limpíssimas.
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