HERMONEGILDA
Eduardo Prearo

Eu estava voltando para a casa de meus pais, mais uma vez sentindo-me um fracassado, era horrível, sentindo-me destruído sem razão por pessoas que se disseram amigas, protetoras, enfim, pessoas consideradas do bem. Nós temos limites, nós temos limites, bradaram elas. Conclui então que eram pessoas pobres. Mas sei que o amor, esse sim é ilimitado. E foi na entrada de uma estação do metrô, do metrô Marechal para ser mais exato, que conheci uma mulher estranha -- naquela época eu não era tão estranho quanto dizem que sou hoje. -- Eu precisava falar com alguém, estava indeciso quanto a voltar ou não naquela noite úmida, acho que era primavera, ou então início dela. A mulher de nome esquisito, Hermonegilda, era até que bela, era mulata e meio mendiga. Ela era uma...como se diz hoje em dia mesmo?, ah, sim, uma sem-teto. Eu temo entrar para essa categoria tão mal falada, mas não só por escrever, o que para alguns empregadores é polivalência ou coisa parecida, mas também por uma fama alienígena que não pedi a Deus.

Hermonegilda e eu batemos um longo papo; porém, somente depois de uns trinta ou quarenta minutos é que percebi que havia caído em uma armadilha sem nexo, armadilha boba.

- Você tem um cigarro aí? Meu nome é Hermonegilda, com H. Não é um belíssimo nome?

- Não tenho nada. Estou perdido, parado aqui, pensando. Sabe, as pessoas olham para mim e falam "não tem", "não tem". E quem disse que quero alguma coisa delas? Dá raiva na gente que não tem inteligência para atingí-las.

- Éhhh, elas não falam só "não tem". Elas dizem "não, e um "não" bem grande.

- Não entendo por que isso, Hermonegilda. Afinal, são desconhecidas, não são?

- Pobre é sempre pobre. E você ainda parece que tem ascendência italiana. Se fosse um Dias ou um Alencar, tudo lhe sorriria melhor.

- Acho que vou para um hotel; não tenho um puto no bolso.

- Chegue lá e peça. Eu sempre durmo em um. Espera aí, deixe eu mijar ali.

Hermonegilda caminhou claudicante até um muro e começou a urinar. Foi então que percebi que ela na verdade era ele. Fiquei decepcionado, obviamente, mas imaginei que se decepcionavam mais comigo do que eu com os outros. Olhei para uns prédios e percebi que algumas pessoas me observavam, havia platéia, mas era noite, não eram dessas platéias diurnas paradas nas calçadas e ao mesmo tempo recebendo pro sustento não. Disse adeus a Hermonegilda e parti para algum lugar, triste por não ter dado certo na vida. Na certa quando pedi pra nascer, não calculei o que fazer diante de situações assim. Fui-me embora prevendo inquéritos porque de inocente as leis sempre implicitamente me mostraram que não tenho nada e jamais terei.


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