ARMADILHAS
Edson Campolina
Era eu, como vós, a essência
apenas. Protegido pela água e sem medo da escuridão, num silêncio
quase profundo. E todos de fora torcendo pelo fim de meu paraíso. Desconhecedor
de tudo e de todos, não sabia que, em festa e em grande expectativa,
preparavam minha expulsão jogando-me às armadilhas sucessivas.
Insatisfeito, nasci, como qualquer outro. Logo tive que me proteger da luz,
conhecer outro tipo de escuridão temendo seus mistérios; me proteger
da água que então já me ameaçava os ouvidos, os
pulmões; me proteger do fogo e do frio, até então desconhecidos
por mim. Tive ainda que aprender a lidar com as armadilhas do paladar, do olfato,
do tato, sempre me pregando peças.
Mas apesar de tudo a infância é uma fantasia gostosa, que começa
a se perder quando nos medem o crescimento comemorando cada centímetro
em direção à morte. Quando imputam-nos a responsabilidade
pelo futuro de uma nação que conhecemos somente até o cercado
do berço. Talvez como reconhecimento da incompetência, os adultos
que estão em idade de algo fazer sempre postergam às crianças
o sucesso do futuro. E cada vez mais cedo na escola promovem a lavagem cerebral
com - Vocês são o futuro da nação! E ainda insistem
em nos perguntar o que seremos quando crescermos. Se soubesse a armadilha na
qual cairia, optaria por permanecer no ventre. Mas tudo é tão
bem preparado pelo destino que nem opção ele me deu, assim como
você também não teve e como todos que virão não
terão.
Ainda perdido e abandonando a infância e a chatice dos adultos, uma armadilha
ainda mais dolorosa se apresentou. A adolescência me brindou com dúvidas
e competições. A escola tornou-se uma praça de batalha.
O mais isto, o mais aquilo... Todos querem ser o-mais-alguma-coisa.
A dúvida do que sou, do que seria e uma vontade louca de não ser
mais, envelhecer logo. A puberdade explode em espinhas, furúnculos e
rebeldia. Um tormento quando se descobre então a armadilha maquiavélica
da mulher que só nos seduz com olhares, trejeitos e até humilhação,
prometendo a felicidade. É só emoção. O coração
comanda tudo e torna-se recorrente a vítima. E ninguém nos diz
como enfrentar tal armadilha quando ainda somos criança. Sem saber o
que nos espera, na maioria das vezes antecipamos os fatos.
Logo caímos na terceira e até agora, pelo menos pra mim, na pior
das armadilhas. Assumimos responsabilidades na intenção de tomar
as rédeas da vida. Sem perceber trocamos nossos mais saudáveis
anos por migalhas de um mundo corporativo que é pior que a escola da
praça das batalhas. Todos sabem o que são, o que querem ser e
nunca quererão deixar de ser. Como cordeiro me colocam em auditórios
para ler em coro frases de pensadores, me mostram filmes, citam grandes e antigos
exemplos, tentam me ensinar a viver e trabalhar em equipes, mas que cada um
deve aflorar o líder que tem em si. Na maioria das vezes a vida destes
pensadores não teve nada a ver com o que vivemos hoje. Querem uma equipe,
mas eu, você, temos de ser melhores que todos. E entramos no jogo em busca
do troféu das ilusões enquanto nosso tempo vai, ou fica. E esta
armadilha escraviza o raciocínio, é duradoura. Inclui-se aí
a armadilha que o homem criou e chamou de sociedade. São tantos lobos,
regras e normas, cobiça, soberba, violência, que nos cerca as saídas.
Resta então, esfolado e pouco consciente, pensar na próxima armadilha.
E confesso que pela cara dos velhinhos a equilibrarem seus corpos pelas ruas,
deve ser penosa, grande e desafiadora esta armadilha. E o pior, nem quero pensar
na saída...
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