ARMADILHA
Ana Terra
Pensei que tivesse encontrado o paraíso. Foi como uma breve paixão. Passei por todas as fases de uma encantada. Até que a realidade chegou.
Uma realidade cruel. Mostrada através da força covarde das dinamites.
Não agüento mais ver montanhas sendo invadidas Seus mistérios, cuidadosamente guardados por milênios,impiedosamente expostos.
Vejo naquelas ruínas um livro aberto de nossas origens. As páginas estão lá, expostas para analfabetos. Também não sei fazer a leitura exata, mas sinto sua importância.
Minhas mãos tocam a superfície daquelas pedras. Meu corpo arrepia. Minha imaginação viaja milênios. Olho para cima e deparo com o santuário violado.
Observo os seres humanos que ali vivem. Parecem ratos nus escondendo-se entre as tocas. Um correndo do outro. Um comendo o outro. Pelas minúsculas frestas riem da nudez alheia, sem olharem a própria. Perdidos na guerra das explosões.
Cegos pelo pó sabiamente chamado de estéril. Não sabem o que a montanha vai mostrar.
São visionários. Querem fugir e não conseguem. Em cada criatura, uma utopia, um sonho, uma ignorância ou uma ganância. Assim alicerçados, tentam explicar o desconhecido.
Vivi a paixão. Fiz amor com a natureza. Meus orgasmos foram acompanhados pela dança louca das borboletas. Subi montes de estéril e encontrei cristais brancos.
Assisti ao apelo desesperado da Natureza que imprime beleza, brilho e cores no fim de cada dia. Festa de despedida do Sol. Contraste entre a magia e a destruição.
Entendi a linguagem dos mascarados. Viciados em protestos na terra/pedra de ninguém.
Fabricam suas próprias armadilhas.
Drogam-se. Colorem seus rostos. Usam roupas exóticas. São escravos
de seus próprios protestos. Tentam ignorar que estão se destruindo.
Mutilando-se. Igualando-se às montanhas rasgadas.
A minha impotência diante de tudo isso me deixou estática por algum
tempo. Em seguida, a ebulição. E, mais uma vez, rendi-me. Nada
posso fazer.
Meu coração não agüenta mais dar saltos assustados a cada explosão. Fecho os olhos e aperto minha cabeça.
Sei que naquele momento milhões de nascentes estão virando pó, que a casa de muitos está sendo destruída, que inúmeros animais estão desamparados, que o estrondo das cachoeiras diminuiu o volume, que a poeira mudará a cor das árvores e os poros das folhas e flores não poderão respirar.
Choro quando vejo uma orquídea insistente na fenda das pedras. Um ingênuo cacto, com seus frágeis espinhos, tentando defender seu território e as borboletas pedindo socorro com suas asas delicadas.
A Lua Cheia menstrua sem pudor. Torna-se ovo. Amadurece, como que querendo dar à luz a um cemitério. Mesmo cansada do ritual de séculos, distribui seus raios prateados nas pedras destroçadas.
Estou na armadilha do amor e do ódio.
Enquanto a fase não passa, espero.
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