NAS LINHAS DAS MÃOS
Tatiana Alves

Sempre lera mãos. Cigana, criada em acampamentos e presa às tradições de seu povo, ia para os parques e praias nos finais de semana para ler a sorte em busca de algum trocado. É claro que não podia sempre dizer a verdade, sob pena de desagradar o cliente e perder o dinheiro, mas tentava não mentir, apenas omitindo certos pontos que poderiam assustar o freguês. E lá ia ela, com seu vestido rendado e olhos rasgados, apontar mais algumas previsões.

Sua mão, entretanto, jamais fora lida. As ciganas mais experientes, inclusive a que lhe tinha ensinado a técnica, coçava a cabeça, afirmando ser a mão da moça dificílima, com
linhas múltiplas que sobrepunham-se umas às outras, e que pareciam mudar com o passar do tempo, impossibilitando uma leitura clara e precisa.

Ela, de resto, não gostava dessa história de ter o destino traçado. Dava-lhe a impressão de falta de controle sobre a própria vida. E assim ela desafiava os costumes e crenças de seu povo, enquanto crescia e se tornava cada dia mais bela.

Naquele dia ela fora, como de costume, à praia de sempre. Depois de ler a sorte de duas ou três mocinhas que apresentavam um ar sonhador, o que facilitava muito o encaminhamento da previsão, ela foi surpreendida pelo olhar cético de um rapaz que pertencia ao grupo das moças cujas mãos ela acabara de ler. Não gostou do modo como ele a olhou, e muito menos do ar jocoso com que ele solicitou que ela lhe dissesse o futuro. Um tanto contrariada, pegou-lhe a mão e olhou-o nos olhos, como sempre fazia. Nesse momento, o mundo pareceu parar. Ou talvez tenha começado finalmente a girar na
direção correta. E nesse momento, duas leituras se perderam. A de sua própria mão, que de resto era mesmo impenetrável, e a dele, que ela se recusou a ler. Nesse momento, sorriram. Se o destino de ambos estava traçado, que o descobrissem ou talvez o escrevessem. Juntos.



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