"SUA RAZÃO
DE VIVER"
Raymundo Silveira
Chegou um tempo em que
não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
(C. Drumond de Andrade: Os Ombros Suportam o Mundo)
Era jovem e rico. E, também, muito infeliz. E não acreditava em nada. Não tinha ideal algum. Existia simplesmente por existir. Ignorava o que era amor e não tinha o menor interesse em aprender. A menos que lhe dissessem para que servia. Era só o que o mantinha vivo: procurar uma explicação coerente para tudo. Não tinha o menor interesse em saber de onde veio. Nem qual seria a sua função aqui na Terra. Nem, muito menos, para onde ia depois. Se é que tinha de ir pra algum lugar, que não o cemitério. Sua maior preocupação existencial era: Por que sofro? Pensava: Se eu entendesse isto não teria mais depressão nem medo. Jamais emitiria um ai. Um murmúrio de protesto. Suportaria tudo com resignação. Talvez, quem sabe, até pudesse cogitar de ser feliz. Trabalhava, por trabalhar. Como se fosse tão indispensável quanto respirar. Não se tratava de prazer, nem de imposição. Não precisava. Possuía tudo. Embora tudo fosse nada. Cuidava da aparência pessoal e praticava apenas os atos indispensáveis para sobreviver. Em síntese: exceto por causa daquela busca atormentada, levava uma vida rotineira e vazia. Já tivera dezenas de mulheres lindas e sensuais. A princípio, sentia-se atraído. Pouco tempo depois só lhe causavam tédio. Agora não se interessava mais por nenhuma. E o assédio delas só lhe trazia aborrecimento. Vivia só. Não tinha sequer amigos. A menos que se quisesse considerar amiga, uma angústia constante. Pensou em cometer suicídio, mas até essa idéia lhe parecia enfadonha. Suicidar-se pra quê? Que diferença faria morrer ou estar vivo? Não tinha medo da morte. Tampouco achava que ela seria a solução para o seu tormento. Em suma: não sabia nem sofrer, nem como deixar de sofrer. Esperança, era outra palavra que, para ele tinha o mesmo significado de amor: nada. Fé? Ria-se dela. Achava ridícula até a sua pronúncia e grafia. E compaixão, nada mais do que uma maneira egoísta de dizer para o mundo o quanto alguém era independente das outras pessoas. Agora era jovem. E quando não fosse mais? Ser jovem ou velho lhe era tão indiferente quanto viver ou morrer. Não há a menor discrepância entre velhice e juventude para quem despreza o amor, nega a fé, ignora a esperança e zomba da compaixão. A política, as guerras, a luta pela sobrevivência física por parte dos menos favorecidos só servem para um único propósito: demonstrar que o tempo não pára. E que a vida prossegue. Insensível a tudo o que possa acontecer aos homens. Que, por sinal, são os únicos seres vivos que estão preocupados com isso. E ainda se acham os mais evoluídos.
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