ÂNGELO:...PUDESSE ELE SER ALGO ALÉM...
Osvaldo Luiz Pastorelli


Aquele dia Ângelo se achava um frangalho, um caco, estava pronto para estourar a qualquer momento. Sentia-se impotente, com perda de atrativos, percorria em suas veias o torpor da banalização. O corpo dolorido, as costas estropiadas, trazia na alma a ferida do tédio meio que mórbido. E para entortar mais ainda a situação, na lanchonete tomou uns tragos e uma cerveja enquanto conversava. Chegou em casa amarrotado. Tomou rápido um banho, passou a camisa e as noves horas já estava deitado, debaixo das cobertas. No dia seguinte acordou assustado, olhou as horas, estava atrasado, levantou de um salto, trocou-se em poucos minutos.

No ponto de ônibus percebeu que estava era adiantado, o que lhe deixou com bronca, mas pensou:

“Tudo bem, hoje será um dia diferente, mas sempre estou pensando dessa maneira e nunca saio dessa merda de correria, desses trilhos que me levam ao infinito de um lugar qualquer que talvez possa ser desmistificado”.

O que ocorria era que ele tinha medo de ousar, derrubar o muro que o sufocava e nada lhe dava em troca.

O dia bonito, ensolarado, mostrava uma concretude abrupta que deixava o vislumbre transparente da manhã que prometia. Mesmo com o concreto resplandecente de se viver quase que eternamente no caminhar aos passos da humanidade, via a representação de cada indivíduo bipartido pela luz que cada um carregava, luz de harmonia, paz, esperança em realizar os sonhos que nem sempre conduz os apressados com medo de perder o trem azul. Segunda-feira prometedora para compensar o fim de semana com chuva, garoa e o sol que não apareceu para secar as roupas que penduradas assim mesmo ficaram no varal. Vida é isso, ora a tarde caindo de um viaduto e outra um bêbado trajando luto lembrava Carlitos e assim vamos flanando nesse mundo afora sem eira e sem beira.

Tinha consciência de que sempre estava perdendo. O que? Não gostava de perder. Aliás, quem gostava de perder? Ninguém. Mas ele estava perdendo o vigor da manhã de segunda. Precisava saber perder e esse saber perder é que são elas. Estava aprendendo não estava. Ninguém gosta de perder porque se acha dono, se acha o absoluto, o fundamental. O que se perde hoje se ganha amanhã, diz uma filosofia ancestral. O problema todo é a visão materialista que se tem das coisas. É preciso destruir essa visão, pois tudo é substituível. Nada é para sempre.

Se o nada fosse para sempre o que seria ele? Um nada perdido no meio de tantos nadas. Ou quem sabe, usando da desmistificação pudesse ele ser algo além do que ele é hoje?

 

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