ILUSÃO
DA VIDA
Edson Campolina
A seqüência de úmidos e toldados dias parecia interrompida. Levantei-me sorrateiramente deixando a cama para a Silvia que se esparramou preguiçosamente - um corriqueiro despertar.
Sentei-me na varanda para recepcionar o dia, brindando-o com um café expresso de bule de ferro e um primeiro cigarro. O sol enchia o ambiente de luz e calor.
Fechei a porta e prendi o vento.
Insetos cortavam os raios de sol,
Brincavam na aurora veraneia
Brindando a cada manhã seu evento.
Árvores dançavam seus verdes,
Galhos secos renovavam-se em brotos,
Bem-te-vis gritavam a manchete divina:
És presenteado com o dia...!
Estiquei a rede e me postei a absorver aquela energia. Na balada da aurora vi a vida dos insetos por cima das árvores, a revoarem ao sol. O azul celeste riscado por pássaros negros brincando em roda. O brilho do verde que parecia sorrir refletindo a candura do renascimento. Uma brisa fresca me ofereceu à prova os perfumes da mata de Santa Teresa.
Talvez por hora ou mais me perdi nos sentidos, sem pensamentos ou desejos, até que a melancolia do cinza vespertino do dia, que se encontra com a noite, despertou-me a saudade invadindo a manhã. Pensei no brilho dos olhos de meu pai que, de pé, a picar o fumo na palma da mão, apreciava a plantação brotando no quintal. É bem verdade que este brilho pude percebe-lo somente agora, atrás de décadas de vida iludida. Apresentou-se à minha consciência o longo caminho percorrido para que a certeza do verdadeiro sentido desta vida desmistificasse as ilusões da metrópole.
Mas não era primitiva tal certeza. Veio-me à lembrança a despedida de meu irmão caçula. Vindo frangote, deixava o Rio de Janeiro já feito homem, jovem, mas com a maturidade necessária para prosseguir seus vinte e poucos anos. Voltava ao berço do grotão mineiro, após experimentar a fragosidade da cidade grande que nos esconde as verdades e mistifica a inocência.
- Valeu a
experiência destes anos...
Seu olhar fitava o longe pela janela do carro.
- Sentirei saudades das corridas no calçadão e nas paineiras, de meus amigos...
- Mas não se iluda Reinaldo. Mais vinte ou trinta anos e o êxodo será urbano.
Dissertei então sobre o romantismo da vida que se apresenta na natureza, e não nas luzes, cores e imagens da cidade. O sucesso é poder namorar a lua sem que se torça o pescoço entre espigões, contar estrelas sem pressa, sabendo que na noite seguinte estarão no mesmo céu, nos mesmos lugares, e tomar algumas pra si. É poder ouvir o aviso do vento e aprender a ler nuvens. O verdadeiro gozo da vida está em observar seu tempo e não se prender a ele. Nossas vidas aprisionaram-se no tempo do homem e se mistificaram, tamanhas as ilusões que nos vendem. É preciso libertar-se, e nunca é tardio.
- Felizes foram os índios que se banharam nos rios, na chuva, brincaram na lama, na poeira, conversaram com os astros e endeusaram a floresta que os sustentava com comida e mitos, mas mitos que lhe enriqueciam a vida. finalizei.
A manhã passou no balanço
da rede sem que concluísse o poema. Então me entreguei às
Cinzas das Horas de Manuel Bandeira, pelo resto do dia.
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