PARA FESTEJAR
A MORTE DE UM MITO MORTO
Edison Veiga Junior
Era noite quando se apagaram as luzes e ele foi conduzido para uma ante-sala vazia e fria. Tivera de aguardar até que onze badaladas e meia anunciassem sua chegada, então um mordomo franzino, de óculos, andar desajeitado e um tanto frouxo, avisou:
- Vai ter de esperar até amanhã. Hoje o Dr. Pedro, gerente do Departamento de Transições, precisou encerrar o expediente mais cedo.
Hoje só amanhã, resmungou por dentro. Ele que sempre odiara o hoje só amanhã, ele que sempre xingara seus funcionários de incompetentes quando se calcavam no hoje só amanhã, ele que extinguira de suas empresas o hoje só amanhã. Ironias da vida também há no pós-vida, constatou num misto de sorriso cínico e raiva interior.
Raiva interior anterior ao fato de que se apercebera logo em seguida: teria de passar a noite ali, provavelmente dormindo naquele chão escuro e gelado, um tanto úmido. Vai saber se não existem insetos nojentos por aqui?, pensava, mas ficava só no pensamento. E se tiver ratos?, mas não se atrevera de jeito algum a reclamar para o mordomo franzino que ia se retirando da ante-sala. Vai que ele fosse algum anjo, algum guardião-celestial... Melhor não se indispor com essa gente. Vai que ele fosse um delator, pronto a adulterar sua ficha comportamental... Melhor não se indispor com essa gente.
A noite não tem piedade dos insones.
A noite é cruel com os workahoolics. A
noite é faminta quando olha para os olhos dos que não sonham porque
sequer
dormem. Pensava em tudo isso quando a madrugada despontava para cair depois.
Porque era esse o horário em que ele, recém-divorciado, mais rendia.
Afrouxava o nó da gravata e, sozinho no escritório, dedilhava
ininterrupto pelo teclado de seu computador, relatórios e relatórios,
contas, extratos, sonhos.
Agachara-se. Faltava-lhe coragem para sentar, deitar, naquele chão fétido. Era a degradação e ele jamais compactuou com a degradação.
Foi se despindo e, desnudo, imaginou-se caso
houvesse um espelho ali. Toda a pompa extinguira-se, acabara-se. Agora era só
ele, em minúsculas, sem mistificação.
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