ESQUECI MINHA ALMA
NO BAR
Claudio Alecrim Costa
Nunca acreditei em nada que não pudesse comprovar através de meus estropiados sentidos. Incrédulo por natureza vivia a rir das histórias que ouvia no bar do Moraes, onde pontualmente bebia minha cerveja e lia meu jornal.
Não dava importância à conversa séria que atravessava o dia em roda de homens simples, com cenhos fechados e crença em tudo que os olhos não viam e a mente apenas imaginava, ajudada pelas mais estapafúrdias fantasias.
Somente à noite e seus mistérios botavam para correr dali a turba de dementes, cujas vidas confundia-se com a própria irrealidade a que se agarravam como crianças assustadas.
Com jornal debaixo do braço, caminhei para casa sob um céu infestado de estrelas e o ar cálido, a dar baforadas no meu rosto como o diabo em zombarias infernais. Havia um vento que golpeava o meu corpo e me tirava do caminho insistente. Iluminado pela lua generosa, ao contrário da luz elétrica que, além do desenvolvimento, trazia contas e o juízo que o escuro sonega aos que dele se servem para namoro e safadeza. Apertei os passos que podiam ser ouvidos na terra seca pelo incômodo silêncio. Foi, então, que certa voz vinda da mata densa me chamou a atenção:
- Rapaz!
- Quem é?
- Não reconhece a voz?
- Onde você está?
- Me esqueceu no bar...
- Esqueci?
- Bebeu tanto que esqueceu a si próprio...
- Estou falando sozinho...Preciso maneirar na birita, isso sim!
- Sou sua alma...
- Que droga de alma! Segue-me como um cachorro?
- Não chega vivo em casa sem mim...
- Pois vamos ver...
Sentia o coração bater forte no peito e minha cabeça vazia não pensava em outra coisa que não fosse minha casa. Em passos largos deixei o insólito para trás. Afinal, não acreditava em nada.
Parei para respirar, sufocado pelo ar cada vez mais raro. O céu rodava e minhas pernas fracas dobraram-se até que desabei no chão, deixando cair o jornal e os óculos.
- Precisa de mim para continuar...
- Está zombando de mim!
- Precisa acreditar...
- É um dos idiotas que acredita em assombração tentando me iludir?
- Largou-me na cadeira do bar...Agora não passa de um corpo quase sem vida.
- A vida não reside em alma alguma. Como prova que é minha alma?
- Não tenho muitas qualidades...
- Isso é um insulto?
- Fica entre nós...
- O que tenho que fazer? Rezar por mim mesmo?
- Não é má idéia...
- Vamos logo, volte para mim... Mal consigo respirar...
- Fazemos um trato então...
- Chantagem?
- Não. Basta acreditar mais no que não pode ver...
- Tudo bem! Vamos logo com isso...
Senti algo atravessar meu peito e uma vertigem
que me botou de vez no chão.
Voltei a respirar como antes e alguém se aproximou...
- O senhor está bem? Vi quando caiu lá de trás.
- Estou bem...Não perca seu tempo. Eu não perderia o meu com tal estória...
- Que estória?
- Não vai acreditar...
- Qual estória, seu moço?
- Esqueci minha alma no bar...
O idiota riu e puxou as calças frouxas.
- O que a pinga não faz...Tome um chá quente e vá dormir que isso passa.
Eu faria isso noutra ocasião, mas,
por via das dúvidas, rezei a noite inteira...
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