DESCAMINHOS
Vera do Val
Ela acaba de se vestir, ajusta a saia e se
aproxima do grande espelho ao pé da cama. Lá esta ele, refletido
inteiro, perdido no torpor do sono com os cabelos escuros emaranhados, a boca
entreaberta como ainda a gemer. Respira tranquilo, as mãos abandonadas
no lençol branco, os olhos, fechados, que ela amava , as faces quase
transparentes do gozo. Ela se esquece a olha-lo ; ele nunca tinha sido tão
simples como ali ,e agora, tão indefeso , tão menino. Sempre o
sentira espreitar por entre seus devaneios, estava com ela desde tempos muito
antigos , escondido na memória . Era a fuga e a busca do desespero ,
e quando ela se voltava para dentro de si e o buscava se arranhava toda, enfurecida.
O desejara por toda a vida, como se ele fosse a água que aplacaria sua
sede e o procurara por anos a fio guiada pela lembrança.
Escova devagar os cabelos e se perde no tempo infinito em que ardera por ele.
E agora , quando o encontrara, era para perde-lo naquele buraco do tempo , naquela
distância enorme. Ele está ali e ela vai embora , vai porque sabe
que eles vivem em órbitas diferentes. Ela finaliza um caminho e ele começa
a caminhar. Ela viaja na desesperança e ele flutua no futuro. Ela observa,
ele constrói. Ela pressente , ele sabe.
Lânguida, ergue a saia e passa as mãos entre as coxas, ainda lambuzadas
com a umidade dele, e com olhos no espelho vai , cuidadosamente, contornando
sua própria boca vermelha com os dedos molhados. Olhos semicerrados e
o gosto do gozo do seu homem.
Já pronta , próxima da cama, comovida, ela lhe toca os cabelos, desenha a boca e engasga o soluço. Pega a bolsa na cadeira , tira chave que ,de mansinho ,deixa sobre a cômoda
E sai , fechando a porta
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