ANTES MAL ACOMPANHADA DO QUE SÓ
Roseli Pereira


Eu já tinha ouvido falar nele. Até já o tinha visto antes, por fotografia. Eu sabia muito bem que ele era o meu tipo e, de certa forma, me sentia um tanto atraída. Só não consegui prever a intensidade da paixão que se abateria sobre mim desde o momento em que ficamos frente a frente pela primeira vez. Sendo assim, não o evitei e nem me preparei para tanto, de modo que agora estou aqui, contando a história para você. Justamente eu, que prefiro não escrever sobre sentimentos tão íntimos e profundos.

Tudo começou numa noite em que saí mais cedo do escritório e, ao invés de ir para casa, resolvi passear um pouco e conhecer de perto os mais recentes lançamentos de livros e discos. Só que, mal entrei numa loja, por obra e força do destino dei de cara com ele. Gelei por dentro e por fora. Pensei em manter distância, mas alguma força maior foi me arrastando, me arrastando e, quando dei por mim, já estava ao seu lado completamente hipnotizada. Meu Deus, como ele era lindo! Simplesmente tive que tocá-lo. Primeiro de leve, com um certo receio. Mas suas reações me encorajaram e logo tive certeza absoluta de que, daquele momento em diante, precisaria dele ao meu lado se quisesse ser plenamente feliz.

Mas eu não podia ceder ao desejo porque havia outro em minha vida. Outro que eu conquistara a duras penas, menos de dois anos atrás. Qualquer ato impensado poderia ser muito doloroso para todos. Por isso, ignorando os clamores do meu ser, simplesmente dei as costas, saí correndo e fui - coração aos pulos - encontrar meu velho amor.

Confesso que foi impossível não fazer comparações. Estranhamente, tudo o que havia me encantado há alguns meses passou a soar como defeito. De uma hora para outra, meu companheiro me pareceu franzino demais e frágil demais. E, embora estivesse sempre pronto para me acompanhar onde quer que eu fosse, confesso que, de repente, comecei a sentir falta de andar sozinha. Passei a interpretar aquele seu jeito calmo como falta de interesse. Passei a duvidar que ele estivesse prestando atenção em mim. Passei a vê-lo como um lerdo desmemoriado, o que sem dúvida foi uma certa injustiça da minha parte. Mas o fato é que, em poucos dias, eu já me sentia cansada de carregar tudo aquilo que, para mim, se transformara em um enorme peso desnecessário.

Queria abandoná-lo. Queria estar livre para iniciar uma nova relação sem remorso ou sentimento de culpa. Sim, eu sabia que pagaria um preço alto por essa opção, mas não tive alternativa a não ser seguir os impulsos do meu coração. E foi o que fiz.

Tive certeza de que tomara a decisão mais acertada quando entrei em casa abraçada ao meu novo amor. Juntos, passamos noites e noites em claro, em puro êxtase. Abri minha vida inteira para ele, sem perceber que ele não fizera o mesmo por mim.

No princípio, quando ele não atendia aos meus anseios da forma como eu tanto sonhara, eu até achava bonitinho e atribuía o fato à falta de familiaridade. Mais tarde, quando ele continuou a não atendê-los, cheguei a imaginar que ele não era capaz de entender a minha linguagem. Fiz o possível para ensinar e até consegui alguns poucos progressos, mas finalmente percebi que aquelas reações incompreensíveis eram teimosia pura. Havia, sim, uma certa incompatibilidade. Mas ele não me parecia mau, já que agia como um perfeito cavalheiro, desde gostasse do meu jeito de abordar as questões.

Tentei virar o jogo para conseguir mais, e ele foi à forra interrompendo a minha comunicação com o mundo. Fiquei furiosa, mas, como a essas alturas já dependia dele para quase tudo, aos pouquinhos fui me adaptando à sua maneira toda peculiar de ser, de forma que hoje sou obrigada a enganá-lo até mesmo quando quero passar um simples e inocente e-mail.

Depois de tanto amor, ele deu de ficar mal humorado, de sair e de voltar para a minha vida sem qualquer aviso prévio. Deu de engasgar, de gaguejar e de pensar demais toda vez que lhe peço alguma coisa. Deu de dormir sem me dar boa noite. Deu de me deixar com raiva, com muita raiva. Deu de me fazer sentir saudades daquele que tanto desprezei. Deu de ser teimoso, cínico e preguiçoso. Deu de fazer com que eu me sinta arrependida, impotente e irritada. Nem bonito eu o considero mais. E hoje, só de olhar para ele, já tenho uma vontade imensa de voltar àquele local em que tudo começou. E só não voltei, ainda, porque a lembrança daquele sentimento avassalador me faz ter medo de me apaixonar outra vez. E de pagar caro de novo por um recomeço que, provavelmente, acabará em nova decepção. Afinal, seja qual for o ano ou modelo, os microcomputadores são todos iguais.

 

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