UM
CRAQUE NA MULTIDÃO
Luís Valise
Move-se devagar, para não acordar a mulher que dorme ao lado. Deitada de bruços, o lençol jogado em diagonal sobre o corpo cobre apenas da metade de uma das coxas para baixo. A mulher está nua. O cabelo curto deixa à mostra a nuca recoberta de fina penugem aloirada. As costas queimadas de sol sobem e descem ao ritmo suave da respiração, e vão-se afinando na direção da cintura. Ali o corpo se arredonda em ancas firmes. A bunda juvenil traz marcada em V a cor verdadeira que se oculta sob minúsculos biquínis. Ali a pele é clara. Passa a mão bem de leve sobre as nádegas rijas. As pontas dos dedos desçem pelo miolo macio, até sentir o calor que emana do sexo entreaberto. A mulher balança molemente uma das coxas. O homem sente um arrepio e um formigamento no ventre, como se aranhas de veludo andassem sobre seu sexo, que deixa o repouso e num instante cresce e engrossa. Ele monta o corpo da mulher, sustentando o peso nos cotovelos. Bem devagar, abaixa a metade inferior do corpo, e deixa a ponta rombuda entrar no meio daquelas coxas quentes. A mulher se mexe, e ele beija sua nuca. A voz dela se arrasta: - Benzinho, você me deixou morta... Deixa eu descansar mais um pouquinho? Ele sai de cima dela. Seu sexo lateja. Quando se ama o amor não passa, mesmo depois do amor. Muda de posição na cama, e seu rosto agora quase toca as coxas da mulher. Sente o calor e o cheiro do sexo dela. Lentamente, para não balançar a cama, começa a se masturbar. Aquele calor, aquele cheiro, o homem goza estrangulando gemidos na garganta. Em seguida, o arrependimento. Vontade de fumar. Levanta da cama, sai do quarto. Na sala, sobre a mesa, a bolsa da mulher. Ele abre a bolsa, pega o maço, o isqueiro, e vai para a área de serviço. Àquela hora da madrugada o edifício dorme. A cidade dorme. Sempre tivera dificuldade com relacionamentos. Garoto, na escola não conseguia entrosamento com as crianças da sua idade. Não era convidado para as peladas no recreio. Não recebia bilhetes das meninas. Vivia numa solidão dissimulada, como se o resto do mundo não importasse. Ao final das aulas as ruas da vizinhança ficavam em polvorosa com o bando de crianças correndo e gritando. Em meio a tudo isso ele vinha calado, ausente, e punha-se a disputar uma partida de futebol imaginária, em que ele era às vezes o goleiro, às vezes o atacante, e até mesmo o juiz. Cabeça baixa, fazia embaixadas, tabelas, driblava um, driblava dois, e só fazia o gol quando estava para entrar em casa. Por isso chegava sempre com os olhos brilhantes, coração aos pulos, tão feliz. Por isso a mão também ficava feliz quando ele chegava. Nu na área de serviço. Faz calor. O cigarro é um bom companheiro, mas também acaba. Apaga a bituca no tanque. Na volta abre a geladeira e bebe Coca na garrafa. Por hoje chega de álcool. Pensa na mulher na cama. Ela é jovem, linda, inteligente. Custou, mas apareceu. Valeu a pena esperar. No começo sentiu receio em se aproximar. Parecia muita areia... Calças jeans bem justinhas, botas pretas dessas pontudas, camiseta preta com New York, New York em letras prateadas, coletinho de couro também preto, um encanto. Mas, não. Foi recebido com simpatia, um olhar caloroso, um interesse verdadeiro. Sabe como é, quando a simpatia é recíproca, meio caminho já está andado. Deram-se às mil maravilhas. Ele gostou do nome: - Quêitchi. K-a-t-h-y, Quêitchi. Volta para a sala, torna a guardar o cigarro e o isqueiro na bolsa. Vê o documento. Maria do Socorro. Não combina. Quêitchi fica melhor. Entra no quarto. Ela dorme. Ele passa a mão de leve nos seus cabelos. Começa a se vestir, sem fazer barulho. Deixa dinheiro sobre o criado-mudo. Um pouco mais que o combinado. Sai. Na rua o ar ainda está fresco, a luz começa a aparecer. Ele sempre fica feliz, depois do amor. Põe as mãos nos bolsos. Vai andando, cabeça baixa. Dribla um, dribla dois... |