UM NAVIO ANCORADO
Leila de Barros

Caminhando no labirinto egrégio de minha mente, surpreendo-me a indagar de mim mesma do que seria feita a paixão, esse sentimento tão volátil.

Descrevo como paixão, aquele estado de arrebatamento, o olhar vidrado e uma energia sísmica, muitas vezes tirana, que nos tira os pés do chão e nos prende ao agudo objeto do desejo.

É um dilúvio, uma enxurrada interna que cobre de folhas douradas os porões e as alamedas da alma, mas nem a primavera varre.

Tenho para mim que esse elemento não tem vida própria, necessitando de alimento com tanta constância quanto um Lebiste em um aquário doméstico.

Apaga-se com a fragilidade inversa a sua força vindoura quando não nutrido. Um nada consegue dilacerar seus encantos e de repente... a paixão perde toda a sua robusteza.

Uma lástima, uma amora madura que cai na poça de água. E lá se vai todo aquele frisson, toda a fome.

Há que se alimentar a paixão como a um gato siamês, posto que sua fragilidade não sobrevive sem esses requintes de nutrição e lume. As paixões não têm a força de um nordestino e nem a têmpera do aço.

Mas, alguém teria também comentado que, uma grande paixão ou um grande amor não nasce assim de repente como uma figura mitológica irrompendo das profundezas oceânicas.

Esses elementos podem e devem ser cultivados e mimados como bem merecem, com todos os tônicos e revigorantes, sem esquecer dos temperos e as minúcias que lhe compõem a essência frágil.

Há adaptações na paixão, apesar dela ocupar quase todos os espaços, sobram esquinas dentro de nós onde podemos abrigar outros sentimentos.

E então ela torna-se um outro tipo de amor, uma paixão fraterna, quase um apostolado.

Em uma composição química, o amor e a paixão juntos têm o poder de uma hidroelétrica e nunca existe o risco de um apagão. Paixão é elemento fogo, amor é um quartzo hialino da mais dura resistência, o que o torna perene e imutável. Um clarão na mata.

Perguntava-me ainda o que viria depois do amor. Mas regressando dessas minhas incursões mentais, concluí que depois do amor, vem também o amor. Um outro estágio, uma outra adaptação, um navio ancorado, que sempre pode ir, mas volta ao porto, para o remanso do seu casco.

 

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