MÁ DESCULPA
José Luís Nóbrega

- Alô!
- Rubens de Almeida?
- Sim, é ele.
- Rubens, aqui é o Marco. O Marquinho da faculdade. Quanto tempo, hein?!
- Marquinho...?
- É, o Marquinho Cabeção, lembra?

Puxa, depois de quase trinta anos, o Cabeção ainda existia...

- E aí, Cabe..., quer dizer, Marquinho, como vai?
- Ah, Rubens, pode me chamar como no tempo da faculdade, vai. O tempo passou, e que tempão, bicho, parece que foi ontem! Me chama de Cabeção que eu te chamo de Rubão. Lembra do seu apelido, meu velho?
- Claro! (como poderia se esquecer do apelido Rubão? Era o bonzão da época, enquanto o outro? Coitado! Ser chamado de Cabeção?!)
- Pô, Rubão, você ainda vive a vida numa boa, bicho? Lembra do tempo da faculdade? Melhor caranga! Mesada do pai! Calça Lee! Tênis importado! Tá lembrado, bicho?
- Oh, Ca... Cabeção, a coisa também não era tão mole assim! Papai me deva uma grana e...
- Uma grana? Cê vivia bem pacas, bicho! Eu sim vivia numa pior. Aquele papo de hippie, paz e amor... Sem grana, sem carro, sem pai, sem mesada...
- Pô, Cabeça, mas e os brotinhos que caíam na tua cola? Eu nunca tive muita sorte com mulher...
- Pô, Rubão, até que naquela época não faltava broto não, meu camarada. Mas hoje, minha sorte mudou, bicho.
- Que houve, Cabeção? Vai me dizer que depois de quase trinta anos você não gosta mais da carne?
- Que isso, Rubão?! Claro que gosto! O problema é que me dei mal com uma. Sabe como é? Me separei, pensão prum lado, pensão pro outro. Tô sem grana. Minha ex levou tudo, bicho.
- Calma, calma, Cabeção! Você sabe que nem todo mal dura pra sempre.
- Pô, brigado pela força. Mas sabe que força não paga conta, né, bicho! E é por isso que tô te ligando, meu camarada. Tu sempre viveu refrescado, numa boa. Tô precisando de uma graninha emprestada. Bicho, pago rapidinho. Pode cobrar até uns jurinhos de banco aí, que tá tudo limpeza! Dá pra ajudar um velho amigo, bicho?
- ...

Precisava arranjar uma desculpa, e rápido. A grana estava até sobrando, mas emprestar prum cara, que não o via nos últimos trinta anos!


- Rubão, tu tá ainda aí, bicho?
- Oh, Cabeção?! Você está querendo me roubar de novo, tá? Já não me basta o que você fez há trinta anos, me roubando a Oneida? Vê cê te toca! Tá me achando com cara de banco, pra emprestar e ser roubado, tá?
- Que papo estranho, bicho? Quem tá falando que vai te roubar? Só quero um emprestado! E esse papo de Oneida, bicho? Nunca tive nada com ela não, mas a classe inteira teve. Todo mundo, de A a Z papô o brotinho, eu não. Até com o Nerão ela saiu. Lembra do Nerão, bicho? O cara era mecânico e tinha dois metros! Nem sabia que você era ligado no broto. Sai pra lá, Rubão! Pô, nunca tive nada cá Neidinha não! Os caras na época falavam que ela tinha o maior bafo. Vivia mascando chiclete com a boca aberta. E mais, depois do negócio terminado, adorava botar a camisetona dos caras. Eu, hein, Rubão? Sempre fui pobre, mas nunca me meti caquela baranga não. Sai fora, bicho! Num qué emprestá, num empresta, mas num vem com desculpa, falô? Tu num é ban-co, mas sempre foi um ba-ba-ca! Tchau, bicho.
- ...
A mulher chega na sala:
- Benhe, quem era?
- Era o Ca... Ah, Oneida, não enche e... vê se joga fora esse bendito chiclete! Tira essa minha camiseta também! Que coisa mais ridícula, Neidinha...


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