VITRAIS PARTIDOS
Leila de Barros
Meus vitrais e espelhos espatifaram-se todos, sem que isso denote falta de sorte nos anos vindouros.
Não há como pendurar nossas vidas em um mero e simples acaso. Isso seria blasfemar contra os ocasos metálico-dourados do outono.
Os cacos criaram sim, um jato de luz e brilho intenso que prenuncia uma viagem circunspeta ao leito do rio caudaloso da minha vida.
Danço sobre os resquícios, sem ferir a planta dos pés.
O vento que uiva lá fora lançou polinômios no meu jardim de inverno. A cobertura de abóbada era vidro e se quebrou.
Nessa argüição milenar que me ouso a cada crise, meus sentimentos parafinados dançam também como labaredas em noite de estrelas.
A mente insiste em nada criar, nem decifrar. Só desejo uma dúzia de rosas vermelhas e a zona de conforto, com edredom e tudo!
Se me questionarem se nada criei na estação anterior, direi que estive ocupada a gerar vida dentro e fora de mim.
Andei dispersa, transviada como náufraga, embaralhando sonhos e dormindo em camas alheias.
Tenho desejado que seja possível identificar os rastros de mim mesma, não como os cães que urinam para demarcá-lo, visto que não sou macho de espécime alguma, felizmente!
Talvez se houvesse em mim um pouco de purpurina, deixaria sim, rastros mais visíveis, já que o desejo é esse, sem castidade e nem culpa.
Nenhum desejo será castigado, se
não estiver coberto de fuligem e ranço. Porém, acende-se
em mim a expressão:
Tudo vos é lícito, mas nem tudo vos convém.*
Então, desdobro os sonhos com a cautela de uma cantiga de ninar e esvazio os armários. Recolho os espelhos partidos e abro a concha do meu coração, lançando os aljôfares.
Nada é eterno, mas tudo é perene, como os cometas que só mudam de direção ou dimensão.
Isso posto, decido-me por não consultar
os xamãs, mas a sair do armário semi-aberto, escancarar as cortinas
e encarar a segunda-feira!
*Palavras de Paulo de Tarso,
o evangelista.
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