QUANDO A MORTE É
UM PRESENTE
Rita Alves
As moscas invadiam o barraco, o cheiro do esgoto que passava embaixo daquele lugar era insuportável, água suja, turva. As crianças tinham que atravessar uma pequena ponte pra chegar até o barraco. Nina tinha o corpo magro e frágil, a pele toda manchada, cabelos lisos, oleosos. Ela só tinha treze anos, mas já carregava todo o peso do mundo nas costas e tinha a exata noção disso. Cuidava dos irmãos menores com afinco. Sua mãe pedia esmola nos faróis com um bebê chorão e imundo no colo, acreditava que assim despertaria a compaixão nas pessoas. Só que um dia um homem se irritou com o pedido insistente para que ele abrisse a janela do carro e a matou com três tiros no peito. A cidade está cada vez mais selvagem. Quando Nina soube da morte da mãe, chorou até suas lágrimas secarem. Seu pai tinha voltado para a cidade natal há cinco anos deixando a família toda para trás. Ele prometeu que um dia voltaria para buscá-los, mas sua mãe sempre dizia para não criar expectativas. Nina ficou desnorteada e não pode perder muito tempo com a tristeza porque a comida acabou e ela precisava alimentar seus irmãos menores. Resolveu pedir nos faróis, mas ela não cometeria os mesmos erros da sua mãe. Teria cautela. No final do dia o saldo foi baixo e ela só conseguiu comprar alguns pães e um litro de leite. Quando a vizinha do barraco se deu conta que aquela menina franzina estava tomando conta de três crianças, tratou de tirar proveito da situação. Prometeu ajudá-la e a levou para trabalhar à noite numa boate. Disse que ela ajudaria na limpeza do bar. Só que não era bem isso. A vizinha sabia que uma menina de treze anos seria um atrativo e tanto para o lugar e que seria recompensada pelo dono.
Nina não entendeu muito bem o que aconteceu, acordou encharcada de sangue,
sentia dores horríveis nas entranhas e quando sentou-se na cama um homem
esquisito apareceu e colocou as mãos nos seus ombros oferecendo ajuda.
Foi como se um alarme dentro dela tivesse disparado. Lembrava daquele rosto,
do toque. Só não conseguia lembrar ao certo o que tinha acontecido.
Sentiu repulsa. A vizinha veio buscá-la e a levou para casa onde seus
irmãos estavam chorando de fome. Ela ganhou alguns trocados e a vizinha
foi embora toda sorridente, pois tinha abocanhado uma parte considerável
do que a menina tinha conquistado pelo trabalho. Nina chegou no
barraco e deitou no velho colchão. Aos poucos foi lembrando do que aconteceu.
Não tinha mais lágrimas para chorar e seu coração
estava seco. Ela precisava morrer, não queria mais a vida, não
existia esperança. Observou os irmãos durante alguns minutos,
barulhentos, sujos. Decidiu silenciá-los. Eles também não
mereciam aquela vida. Matou-os com vários golpes de faca, em seguida
cortou os pulsos e sangrou até a morte.
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