ÂNGELO E O SILÊNCIO
Osvaldo Luiz Pastorelli

Ângelo silencioso saiu do apartamento fechando a porta bem devagar. Ultimamente sempre se sentia acabrunhado. Então porque aceitava o silencio? Não sabia responder. Como para toda pergunta há sempre uma resposta, para essa a qual vivia a todo o momento formulando, achava que não haveria. Então como poderia viver sua vida nesse mar de infinito silencio tenebroso de concordância e aceitação? Não gostava de deixar uma pergunta boiando no ar atmosférico do seu sentir, uma pergunta vagando a esmo no silencio do seu ser até esmorecer no vento do esquecimento. A essa pergunta, no entanto, feita por ele e, que por ele deveria ser respondida, na verdade tinha sua resposta certa. Tinha, mas seu íntimo relutava em respondê-la, ou melhor, dizendo, vamos ser pelo menos um pouco sincero consigo próprio, em aceitá-la. Tinha medo da resposta. Sabia que ela estava no fundo do peito corroendo silenciosamente pronta para sair por sua boca e assim ganhar o espaço da verdade que lhe era intrínseca. Não ainda não deveria sair do seu íntimo tal verdade. Deverá por muito tempo permanecer no fundo do peito a sete chaves. Ainda não era o momento dela.

Assim, Ângelo ganhou a rua que silenciosa perpetrou seus passos concretizando seu movimento ao contar o dinheiro que, logo em seguida, guardou na carteira e rapidamente se encaminhou para o carro estacionado na esquina. Carro de cor cinza, sua cor preferida cujo orgulho sustentava com ciúmes e raiva por ver o amassado na traseira. Ao sentar em frente ao volante enfiando a chave na ignição, ouvindo o ronco da partida, o barulho manso do morto vibrando, esqueceu tudo. Tornou-se mais poderoso. Senhor de si, dono do silencio acomodado em si mesmo. Mudou a marcha, pisou fundo cantando pneu.

Ao abrir a porta do apartamento, recebeu o beijo silencioso e quente do ambiente fechado. Sem abrir a janela, ligou a secretária para ouvir os recados deixados por seus clientes em busca de carinhos generosamente compensadores. Anotou alguns, aqueles que mais chamou sua atenção e apagou o restante. Desligou a secretária para adentrar novamente no silencio reinante em si confluindo com o silencio do apartamento. Despiu-se lentamente. Onde andaria ou estaria a pessoa certa para viver uma vida satisfatoriamente a dois? Era difícil. Enquanto essa pessoa não surgia unia o útil ao agradável, cobrava seus préstimos de acompanhante. Entrou no banheiro, abriu a torneira, gozando a água refrescante batendo em sua carne expulsando o cheiro do último freguês. Gostava de sentir a água escorrer por seu corpo. Seus banhos eram sempre demorados.

Aqueles momentos eram para ele importantes. Curtia o silencio como um gozo a mais, como um brinde à vida. Com a toalha enrolada na cintura, preparou uma dose de uísque apesar de ainda ser cedo. Sentou-se no sofá e fechou os olhos. Ouviu o som de um violino se esparramando por suas fibras proporcionando lembranças alegres. Esticou o corpo encostando a cabeça no encosto do sofá. A vida era uma merda interessante e bela.

Como sempre acontecia, o silencio de tão intenso permanecia nele que chegava a ponto de que fosse arrebentar. O único jeito era sair. Assim sendo, desceu as escadas. Apesar de ter passado quase a noite toda em claro seu corpo não reclamava de sono. Estava tomado de um louco desejo de andar sem destino e sem ter hora para voltar. Por isso vestiu roupa leve e ganhou a calçada que àquelas horas praticamente estava vazia. Uma boa caminhada fazia seu sangue desfibrar o silencio. Descendo a avenida uns três quarteirões e entrou na praça pelo portão principal. Foi quando viu o rapaz.

Ao ver o rapaz sentado no banco da praça, Ângelo notou o olhar silencioso perdido na imensidão dos pensamentos. Viu nos olhos desconhecido um olhar que chispava ardência dolorosa totalmente desprezível. Assim que o rapaz olhou para ele, levado por um choque, desviou o olhar sem dar tempo para Ângelo esboçar qualquer gesto ou reação. Porém ao sair da praça notou que o rapaz o seguia. Parou em frente a uma vitrine e com o rabo do olho percebeu a aproximação do rapaz. Virou-se e formulou a pergunta: - Por favor, tem fósforo? Enquanto o rapaz distraído acendia o cigarro segurando suas mãos, ficou observando os olhos de um brilho angustiado como se estivesse pronto para fazer algo já decidido, premeditado. E de fato assim pareceu, pois o rapaz não aceitou o seu convite: - Não, obrigado. Ou será que ele não entendeu as entrelinhas?

Sendo o sofrimento um silencio perturbador, aprendera que não adiantaria ficar pensando em algo que teria pouca probabilidade em acontecer. Se não foi aproveitado o momento adequado, esse momento dificilmente passaria por ele novamente. Sacudiu a cabeça eliminando da mente o rapaz que ao longe desaparecia entre a claridade da manhã. Desviou a atenção em outro sentido reformulando o silencio como se aquilo não tivesse acontecido com ele. Possuía a habilidade de mudar o pensamento rapidamente quando o assunto deixava-o perdido. Era o seu jeito de agir, de se proteger.

Fez a volta três vezes pela praça voltando longo em seguida para o apartamento. E mais uma vez naquela manhã sentiu o silencio do ambiente beijar sua face. Gostava daquele silencio. Os móveis colocados de uma maneira prática influíam na linha do seu pensamento com uma força positiva.

Abriu a garrafa de uísque e tomando um longo e demorado gole pelo gargalo, se jogou no sofá da sala a espera do silencio dominá-lo novamente.

 

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