ADEUS AO SILÊNCIO
Ivone Carvalho


A alva areia enterrava meus pés. Era macia, estava morna ainda, porque o sol a aquecera durante todo o dia. Eu caminhava vagarosamente, saboreando cada passo. Sentir meus pés banhados por ela dava-me a sensação de massageá-los. Os chinelos, eu os trazia numa das mãos, que balançava ritmadamente acompanhando os braços. Meu longo vestido branco, tão alvo e leve quanto a areia, davam-me a sensação da nudez. Os cabelos soltos caídos ao ombro desalinhavam-se cobrindo meu rosto freqüentemente, graças ao sopro do vento suave que se misturava à brisa do mar, umedecendo suavemente minha pele.

Eu já não tinha noção do tempo. Quando ali cheguei o sol ainda se punha e eu havia ficado longo tempo, sentada bem próximo do mar, apreciando seu adeus, escondendo-se no horizonte, como se mergulhando, lentamente, nas águas frias do oceano, dando vez ao breu da noite que chegava.

Fazer esses passeios ao longo da orla renovava as minhas energias. Sempre erma, naquele horário e naquele trecho, dava-me a certeza de que ali eu me encontrava comigo, com a minha consciência, com a minha alma, com Deus.

Eu me perdia nos pensamentos, ora me esquecendo até deles quando uma onda, mais forte e atrevida, avançava a areia molhando-me os pés. Era um afagar ainda maior, como se fossem as mãos do Criador a tocar meu corpo me abençoando.

Momentos da mais pura beleza, do maior encantamento, onde o ser vai de encontro à natureza, sentindo-a penetrar cada poro, enchendo os olhos de um brilho incomum, ouvindo a respiração calma, compassada, sem se dar conta da força que domina o corpo e a mente, transportando-nos para outras dimensões como se não pudéssemos viver toda essa magnitude aqui mesmo onde estamos.

Era isso que eu sentia exatamente no momento em que uma brisa mais forte, mas não menos suave, soprava a canção do mar, exaltando a melodia que soava como harpas tocadas por anjos, num fundo musical às viagens da minha alma.

Descobri, como que por encanto, que em momento algum eu estive sozinha. Conscientizei-me, naquele instante, que o silêncio que ali eu buscava, jamais eu encontraria, até porque não era isso que eu queria.

O silêncio, eu percebi ali, não pode e não deve existir em momento algum. Silenciar seria calar a minh’alma, o meu coração, os meus sentimentos, a minha ilusão. Seria fenecer sem retorno. Seria transformar-me em ser inanimado, petrificado, totalmente sem vida.

Silenciar seria extorquir a essência do meu ser. Seria emudecer a razão, a emoção, o tato, a visão. Seria negar à minha audição o direito de ouvir os sons que faziam minh’alma bailar alegre e suavemente. Seria proibir ao meu corpo que sentisse o ar, o vento, a brisa que garantem o frescor e a suavidade da minha pele. Seria cegar-me, tirando-me o direito de ver não só a beleza do cenário que me rodeava, como das imagens que se tornavam cada vez mais vivas dentro de mim.

Silenciar seria, enfim, tirar-me o direito à vida, aos sonhos, às fantásticas viagens que minha consciência e meus pensamentos faziam, transportando-me para outros horizontes, onde a vida da alma não precisa de corpo e nem de sentidos para impregnar-se do perfume natural da terra, do ar e do mar, para envolver-se das bênçãos recebidas quando se constata a beleza do natural, do justo, do divino.

Não quero e não posso silenciar, nem buscar o silêncio externo, porque dentro de mim existe o grito pela vida, que eu quero viver e que agradeço por ter.


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