PASSA QUATRO, E NÃO ME CANSO
Nato Borges


Explicar não posso mais do que vejo. Das coisas que sinto, só vale sentir o sentido que escapa das palavras. Não há delas nenhuma que traga no som ou na escrita o modo exato do sentimento. Só vendo pra sentir e, pra mais que isso, entender o que é aquela luz que cega e esquenta logo de manhãzinha, misturando nos olhos o dourado do sol com o azul do céu.

Tem quem diga que sol é sol e céu é céu. Fosse conta de mais, dava quatro a cada dois que juntasse. Mas de olhar dá menos que isso, só que sentindo dá mais. É verdade que naquelas bandas não tem nada de mais ou de menos que outros matos. Cantos daquele têm muitos, e olhando só com os olhos o que se vê mesmo é só o azul e só o dourado, igual em tudo aos de outras bandas.

Mas pra sentir leva mais tempo, tempo de uma vida ou quase. Tempo de juntar na memória umas lembranças, outro tanto de histórias e deixar tudo guardado por lá mesmo. Pra cada calçada, cada pedaço de terra ou pedra da calçada, um pedaço de sentimento que aflora e forma. O que forma de azul e dourado com o que ficou lá guardado é mais do que se vê e é o que faz diferença.

Praça é praça. Igreja cercada de calçada que as gentes usam e desusam do passeio ao casamento. Aquela não. Ainda guardado ali o viço dos 15 anos, que se gastava com o que era bom de se fazer, de se ver e de se viver. Sentando com cuidado, o banco ainda tem o calor dos amigos, naquele tempo pra vida toda. Aquele é só ele. Por mais igual, não tem outro igual no mundo, por mais que se rode esse mundo.

Laranjal pra todo mundo é pé de laranja. Mas não aquele, que cheira traquinagem de moleque correndo escondido do capataz. Ainda mais que o cheiro, o que ficou ali guardado. Ali ficou a avó, já velhinha mais ainda cheia daquilo que ela lembrava dos matos lá dela. Não é laranja que tem ali. É o andar dela, vagarinho e firme, catando e conhecendo na mão o que era de chupar, o que era de guardar. O que dava suco ia pra sacola. As de chupar, pra bacia e dali pra faca e dessa pra boca. E vinha cheia de histórias.

E o sítio? Bonito, mas em si não tem nada mais que outros tantos. Ali mesmo, pros lados e pra frente, a vista alcança outros montes iguais. No caminho mesmo da cidade pra lá, a distância cansa de mostrar que de chão em chão, é tudo igual. Pra que tão longe? Só anda quem sabe que a penitência vale a graça e essa é achar tesouro escondido.

Aquele guarda muitos. Vinte anos passam, e vem mais vinte, e a grama verde igual às outras é mais verde porque tem nela os pés descalços da criança, do jovem, do homem e seu filho. De olhar parece até outra, mas sentindo é a mesma. Como é a mesma a casa da árvore, como são as mesmas as árvores que serviram de trepa pra quem se escondia, ou ia só catar amora, ou jabuticaba, ou manga, ou abacate.

Mais que o chão e as árvores, tem as gentes. Os tios ainda lá com suas histórias. Aí não mais lembrança, mas o encontro. Ver de perto e sentir o abraço. Ouvir e ouvir até gastar os ouvidos cansa nada. Um pouco de lembrança, notícias em dia e a certeza de que a vida corre na direção certa. Melhor seria se marchasse a passo lerdo, mas assim mesmo vai na direção certa. É lá que eles guardam o que de melhor foi feito do menino, o que de melhor ele fez na vida por causa de tudo que viu e viveu ali.

Por conta disso e outro tanto que não me cabe em palavras é que a distância não me cansa e aquele mato me calma as vistas e alma e me traz o tempo em reverso. Mas é o meu e é só meu. Por conta disso nem formo resposta quando me perguntam o que é que lá tem de bom, ou de mais. Rio comigo da inutilidade de me fazer explicar.

- Tem nada não!


 

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