LOUCURAS NA BOCA OU A BOCA EM DOIS TEMPOS
Márcia Ribeiro

Isso mais parece anúncio de batom, com certeza. Quem se lembra do “Bokalôca”? Um batom lançado às custas de uma moda extravagantemente estapafúrdia, para atender os queixumes das meninas que não podiam adquirir os batons caríssimos, lançados pelas marcas mais famosas e que, para desespero universal, traziam aos olhos desavisados, lábios reluzentemente verdes. Sim, verdes!

Tal episódio deu-se na década de oitenta e, tentando não se sentirem ultrapassadas naquela que alguns adotaram como “uma verdadeira revolução da moda bucal”, as sósias de marcianos seguiam sorridentes e sem rumo; sem lenço, sem documento. Parece-me que tudo o que restou do famigerado “Bokalôca” foi por culpa das loiras, quando algum engraçadinho, não querendo perder o gancho da “moda”, uniu o inútil ao desagradável e lançou mais uma piada: “Por que as loiras usam batom verde? Porque vermelho significa pare”.

Bokalôca! Esta momentânea falta de romantismo só podia dar nisso mesmo, ou seja, numa lembrança triste como essa. Valha-me Nossa Senhora do Bom Parto! Acuda-me Nosso Senhor do Bonfim! Ilumine minhas emoções, Vênus! Ou eu deveria apelar para Eros?

Loucuras na boca!
Fantasia clara, rouca
Um beijo, saudade solta
Palavra livre, pouca
Cantiga nula, louca

Loucuras na boca!
Sentindo as palavras fluírem na intenção de amar, como num beijo entre inocentes.
Cuidando para que os lábios selem a promessa de se entregar, como poucas vezes nos doamos ao entregar.
Sorrindo e lembrando sem ilusão, como na antecâmara de amadurecer.
Versando alegrias e torpores, abafando agonias e dores, como deve ser o dia ao amanhecer.
Colhendo pétalas da boca tão amada, como a oferecer orvalho em forma de beijo.
Sentindo cada alteração na temperatura do corpo, como a sorver todos os calores cedidos e tidos.
Calando, talvez como o menor dos sofrimentos, loucuras na boca!




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