SIMPLES PALAVRAS
Ivone Carvalho
Falava demais. Não que tivesse habito de falar da vida alheia. Isso não fazia parte do seu modo de ser, pelo contrário, não suportava fofocas.
Seu defeito era dizer tudo, ou quase tudo, que pensava. Suas crenças, sua opinião, seus conceitos, seus sentimentos.
Não era sucinta. Pelo contrário, possuía o dom da palavra e se tornava prolixa em tudo que decidia expor. Mas não usava palavras rebuscadas ou de difícil interpretação. Tinha simplicidade ao falar. Seu vocabulário não era pequeno pois sempre lera muito, desde criança. Mas não tinha por hábito tornar de difícil compreensão aquilo que queria externar.
O fato é que costumava deixar que sua alma falasse. Não conseguia esconder o que sentia, o que pensava, o que acreditava que deveria ser dito. Muitas vezes, inconscientemente, ou até certa de que poderia ser mal interpretada, usava textos ou palavras que poderiam machucar ou, ao contrátrio, demonstrar uma certa fragilidade, embora fosse determinada e soubesse bem o que dizia, jamais escondendo a sua sensibilidade.
Sofria com isso tudo. Nem sempre o que falamos deveria ser expressado, pois nem todas as pessoas nos ouvem com a alma aberta e isenção de sentimento de critica ou julgamento.
Amava e repetia constantemente que amava. Sentia necessidade de expor a imensidão do seu amor ao homem que conquistara o seu coração. Se estivesse magoada, não conseguia esconder. Se sentisse necessidade de expor seu entendimento, não media palavras para expressá-lo. Se estivesse sofrendo, queria que ele soubesse disso, pois entendia que a sinceridade tinha que prevalecer e, esconder qualquer sentimento funcionava, para ela, como traição.
Com tudo isso, era, freqüentemente, incompreendida. Ele dizia sempre que ela falava demais. Ouvia, com insistência, que ela fazia uso de más palavras. Isso acontecia todas as vezes que ela manifestava o que sentia, deixando fluir, com naturalidade, os seus pensamentos e sentimentos.
Não sabia ficar escolhendo o que dizer, concatenando idéias para falar o que sentia. Acreditava que se tivesse que escolher palavras para falar, perderia sua autenticidade, sua naturalidade, enfim, deixaria de ser ela mesma se necessitasse expor tão somente aquilo que ele gostaria de ouvir ou esperava ouvir dela, ainda que esperasse dela tão somente o silêncio.
Na sua humilde forma de ser, acreditava que as pessoas que faziam parte do seu mundo deveriam aceitá-la exatamente como ela era, uma vez que ela também, aceitava as pessoas da forma como são.
Mas não se preocupava tanto se não fosse compreendida por quem não tivesse uma grande conotação na sua vida.
Em compensação, seu sofrimento não tinha tamanho se fosse mal interpretada por quem amava. E isso acontecia com uma constância impressionante. Chegava a acreditar, algumas vezes, que a pessoa a quem ela dedicava todo seu amor, não gostava de ouvi-la, pois não a aceitava como era.
Tinha a impressão de que tudo que ela dizia era ouvido com a intenção de encontrar, em suas palavras, algo que a comprometesse. Via que tudo que dizia era, posteriormente, usado contra ela, como se cada uma de suas palavras fosse depositada num imenso cofre para ser retirada dele à medida que pudesse ser usada contra ela,
Ela dizia: eu te amo! E ouvia: Mentira! Você ama outra pessoa, porque certa vez você disse isso, isso, isso...
Ela dizia: sei que você me ama! E ouvia: Você está enganada, eu não te amo, estou cansado de lhe dizer isso.
Ela dizia: você não me ama! E ouvia: se não te amasse, não estaria aqui até hoje.
Ela não dizia nada. E ouvia: você se cala e não diz o que eu quero ouvir, o que eu quero que você diga.
Ela falava. E a resposta vinha em seguida: é mentira! Não acredito!
Assim acontecia sempre, quando estava com o seu grande amor.
Vivia inconformada. Já não sabia como se comportar para alegrá-lo, para fazê-lo feliz, para não ser mal julgada, para não ser mal interpretada.
Por que isso acontecia tão somente com ele, era incompreensível. Talvez houvesse predisposição dele em buscar, nela, algum pretexto para justificar alguns dos seus atos. Talvez fosse a necessidade que ele possuía de mostrar-se superior a ela. Talvez fosse alguma ferida não fechada, quem sabe até de outros tempos, causada por outras pessoas, e, sabendo ele o quanto ela o amava, não se preocupava em descarregar nela as mágoas guardadas.
O amor que ela demonstrava era mais do que suficiente para que ele tivesse sempre a certeza de que fizesse o que fizesse, jamais a perderia.
E não perderia mesmo, porque ele era o homem de sua vida. Mas ela não conseguia entender como ele podia agir dessa forma com ela.
Que a amava, não tinha duvida, pois tantas e tantas vezes, até sem querer e sem perceber, ele demonstrou. Porém, era de suma importância, para que ela fosse feliz, que ele passasse a entendê-la, acreditar nela, deixar de julgá-la de forma errada, que passasse a interpretá-la de forma correta, pois, tudo que ela queria era fazê-lo feliz, dar-lhe alegria, emoção, carinho, amor.
Queria poder beijá-lo ofertando-lhe todo amor que guardava dentro de si, mas até isso ela temia, porque já nem sabia se, ao beijá-lo, sua boca não seria recriminada como era, quando ela tão somente falava o que lhe ia na alma, com autenticidade, com simplicidade, com humildade, com naturalidade.
Rezava para que um dia ele a compreendesse e a amasse tanto quanto ela o amava, pois ela o aceitava exatamente como ele era. Faltava, somente, que ele também aprendesse a amá-la como quando se conheceram, vez que exatamente por serem como são e o que são, é que se apaixonaram e transformaram a paixão num amor sem fim.
E sonhava com o momento em que ele entendesse que da sua boca, boca de mulher
que ama, ela queria que fossem externadas somente palavras e atos de amor, do
real e profundo amor que dava sentido à sua vida.
Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.