A PORTA DA ALMA
Edson Campolina

A lua se renovara por completo em seu ciclo. Um feixe de sua luz invadia o quarto pela cortina entreaberta, cortando a escuridão da noite. Ao meu lado, ela dormia um sereno e silencioso sono. Sua pele branca emoldurada pelo negro dos cabelos, parecia captar toda a candura lunar. A cabeça apoiada na palma da mão, sobre o travesseiro, jazia inocente como d’uma criança. Esqueci minha exaustão e me limitei a observá-la.

As poucas rugas que anunciavam sua maturidade, os poros que transpiravam seu calor exalando o perfume que sinto em minhas lembranças, as sobrancelhas torneadas, seus olhos cerrados e imóveis, a pele lisa e macia, e os trilhos de seus finos lábios que me levavam freqüentemente à estrada da salvação e da perdição, foram os detalhes vistos e revistos daquele semblante.

Uma pergunta, contra minha vontade, rogava por esclarecimento: por quê aquela bela mulher me escolhera para dividir sua vida, seus medos e alegrias, vitórias e derrotas? Tive medo da resposta; pois são destes pequenos mistérios que o amor, reservando-os a si, ergue um limite de respeito e cumplicidade. Desvenda-los seria o sacrilégio do amor.

Senti-me então orgulhoso e seguro durante o silêncio daquela contemplação. E se felicidade é poder ser dois, também me senti feliz. Pesou-me, porém, a responsabilidade pelo cuidado de uma vida que se entregara a mim. Uma vida que agora oferecia o repouso ao corpo que me aquecia.

Repentinamente me faltou algo. A beleza iluminada de seu rosto parecia morta! Contornei sua boca com a ponta dos dedos. Senti seu respiro. Era sua alma que descansava oculta pelas pálpebras me causando saudade. Meu corpo pediu um abraço, mas me contive em lhe roubar um carinhoso beijo. Ela sorriu. Sem abrir os olhos me retribuiu o carinho com um outro beijo. Se as janelas de sua alma permaneciam cerradas, sua porta se abriu e pude senti-la. A alma que me escolhera para a vida, brilhava, sorria e me invadia pela boca.

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