COM A MINHA BOCA DE MULHER
Bárbara Helena

 

 

Alfredo,

Com a minha boca de mulher eu te marquei, lembra? Com a boca que dizias ser a única.

Com a minha boca de mulher te seduzi, naquele pagode do Enchanted em que perdi minha tranqüilidade e meu juízo.

Com minha boca de mulher te convidei para o forró do Deixa Disso, com a mesma boca te beijei atrás do telheiro, enquanto todo mundo nos procurava em vão.

Com a minha boca aceitei tuas mentiras, ri dos teus atrasos, mordi nosso reencontros, te comi e engasguei com tuas traições.

Com a mesma boca te perdoei mil vezes, rezei pela tua cura quando caíste do muro da vizinha, mentindo que era pra roubar fruta. Fingi que acreditei naquele desejo de manga as duas da manhã, fingi que não sabia quais eram as frutasgordas que te atraíam nos quintais alheios. Suportei todas os cardápios da tua fome insaciável, calei, consenti, esmaguei em mim as palavras terríveis.

E te dei minha boca de beijar como Judas.

Com a minha boca aceitei as traições, as vilezas, a boa-vida, a jogatina. Com a minha boca disse palavras boas ao Ali Babá, quando queria xinga-lo cem vezes por te ajudar a me trair.

Com a minha boca de fingir, recebi tua mãe e as irmãs, as víboras das tuas parentas, serpentes em nosso roto paraíso. Com a minha boca de enganar, dei beijos falsos nos teus amigos que detesto.

Com minha boca de encantar te seduzi, com a minha boca de beijar, morder, lamber te levei às estrelas e encontrei nosso céu de fancaria. Com nossas bocas de beijar, fomos reis de copas, ouros, paus e espadas desembainhadas de prazer. Com minha boca gritei de gozo, gemi de prazer, enlouqueci de tesão nos teus braços morenos.

Com a mesma boca te disse verdades, vomitei meu ódio, com a mesma boca disse - nunca mais.

Com a minha boca de ódio fechei minha casa e meu corpo pra balanço, com a minha boca de desprezo te mandei embora, com a mesma boca despedi os amigos que vinham me falar de ti.

Com a minha boca de mulher eu te perdi.

Com a mesma boca de mulher eu te procuro.

Com a mesma boca de mulher peço um segundo tempo, prorrogação, desempate, jogo extra, bandeira branca, esfarrapada, vencida.

Com a minha boca de mulher eu te confesso:

Menti quando te disse que era para sempre, menti aos meus amigos, aos teus amigos, a todo mundo, ao universo inteiro e às estrelas. Menti para a lua que morria nas madrugadas, menti para cada dia amanhecendo sem ti. Menti para boca da noite e a boca do forno.

Menti mil vezes com a minha boca de tentar. E te disseram tudo isto as bocas de Matildes.

Com a minha boca sim, é tudo verdade. E é tudo mentira.

Renego a boca que te afastou de mim. Boca maldita, boca trapaceira, boca mentirosa.

E no final e tudo, Alfredo, pensa bem:

Quem acredita em boca de mulher?

 

 

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