MUITO CUIDADO!
Adriana Vieira Bastos


        - Muito cuidado com boca de muié, pois dela sai coisa suficiente pra acabá com quarque home...

        Marcos, assustado, virou-se rapidamente a fim de saber de onde vinha aquela fala tão contundente e certeira à sua direção. Numa mesa disposta num cantinho estratégico da venda, encontrava-se apenas Sinhozinho José. Com ares de quem sabe não ter mais porque ter pressa, preparava com muita delicadeza um cigarro de palha...

        Eu, eihn! – irritado, Marcos pensou. – Saio de tão longe, venho parar no fim do mundo e, ainda assim, não consigo ficar em paz. Qual é a deste senhor? Não abri a boca e nem lhe dei liberdade para me incomodar.

        Num primeiro momento, Marcos ainda tentou agir como se não o tivesse escutado. Com uma falsa naturalidade continuou bebericando sua vodka, mas, acabou não resistindo à curiosidade. Decidido, levantou-se e foi em direção ao velho. Este, já com o cigarro no canto da boca, sorriu-lhe como se o esperasse e, com a mesma tranqüilidade de antes, continuou: Muito cuidado com a boca de muié! Um sorriso que sai dela pode muda a vida de um home...

        Ainda bem que Marcos havia sentado, pois tal fala caíra como um furacão dentro de si. A figura de Ana veio a sua frente, com o sorriso responsável por tudo que estava passando.

        Tinha que concordar com o velho. Por que havia se deixado seduzir por aquela boca traiçoeira?

        O pior é que, a cada fala do velho, maior era o seu desespero. Tocava fundo na sua ferida.

        Lembrou-se dos amigos querendo alertá-lo, mas também se lembrou do quanto esteve enfeitiçado. Não pode dar ouvido a nada que o afastasse do objetivo que passara a tomar conta de sua vida: conquistar a mulher, dona daquela boca extremamente sensual.

        E o velho, perspicaz, esperava pacientemente o momento certo para desferir o próximo ataque – Nada como a boca de muié, pra enfeitiça e faze o home perde a razão e não vê mais nada na vida do que só ela...

        E foi assim que acontecera. Afastara-se de todos. Não conseguira mais se concentrar no trabalho como deveria, e passara a viver em função daquele amor tresloucado.

        Por pouco não brigara de vez com Arnaldo, seu melhor amigo. Como ousara falar mal da mulher que havia tomado conta de sua vida, de seus pensamentos? Ele não tinha esse direito.

        Aprendera, às duras penas, o que era estar apaixonado. Por ela seria capaz de ir ao inferno! Mal sabia que esta fala deixaria de ser apenas uma expressão de grande conteúdo melodramático, para tornar-se pura realidade.

        Sabia realmente o que era o inferno!

        Não tinha vontade de viver. Não tinha vontade de voltar. Não tinha vontade de rever os amigos, trabalhar e, muito menos, de assumir que fora um tolo.

        Um tolo!

        Como se deixara dominar por alguém que não conhecia? Tudo por causa de uma boca de mulher. Se não fosse aquela boca carnuda, sensual, misteriosa e com gosto de desafio, não teria acabado dessa maneira...

        Engraçado, porém, foi perceber o quanto aquela conversa estranha o ajudava a colocar seu pensamentos em ordem e a encontrar o fio da meada de sua história.

        Exausto, sentiu não ter mais por que resistir às emoções despertadas. Olhou para Sinhozinho José como se fossem velhos amigos e, sem se intimidar com a sua presença, permitiu-se chorar. Chorar, como desde os bancos de colégio não chorava.

        Chorou por Ana, pelos castelos desfeitos, por tristezas de que nem se lembrava mais... E, pela primeira vez na sua vida, sentiu o quanto era bom chorar!

        Passado um tempo, o velho, sabendo não ter mais porque falar, olhou profundamente nos olhos de Marcos e, com ares de esperança e mistério, encerrou a prosa dizendo: Uma boca de muié pode faze o home chora, mas só home que é home chora de verdade, não tem medo de caí porque sabe se alevantá, pra encontrá na muié certa, o verdadero amor que só ela vai sabe lhe dá...

        Naquele instante, Marcos viu adentrar na venda Rosinha, a filha mais jovem de Sinhozinho José. Com um olhar meigo, suave, ela se aproximou da mesa e, com apenas um sinal, chamou o pai para almoçar...

        Não precisa dizer que, depois disso, Marcos ficou mais um tempo no lugarejo. Tempo suficiente para convencer Rosinha a seguir com ele para a cidade. Sob a benção do Sinhozinho, é claro.

        Hoje, feliz e calmo, segue aprendendo a conviver com a linguagem dos olhos, pois Rosinha não fala. Mas, com os gestos das mãos e todo o seu amor, visível no seu doce olhar, diz tudo o que Marcos precisa compreender para, juntos, poderem a vida compartilhar.

 

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