VIDA BREVE
Rita Alves

"Vida, louca vida
Vida breve
Já que eu não posso te levar
Quero que você me leve"

O despertador toca às seis da manhã. Seis e cinco, seis e dez, seis e quinze, seis e vinte. Vinte é a última chamada. Olho para o relógio. O tempo passa rápido. Levanto da cama e antes de decidir se devo colocar no chão o pé direito ou o esquerdo, ouço alguém resmungando, tossindo, resmungando e aos poucos vai aumentando o tom de voz até ficar aguda o suficiente para os meus nervos recém despertados começarem a doer. Dor nos nervos, dor de cabeça, dor de raiva, sangue que sobe. Não consigo gritar, meu mau-humor matutino não permite sequer uma palavra, nem boa, nem má. Não dá pra dizer "bom dia" e nem "cale a boca". Atravesso o corredor sentindo o cheiro de café no ar, caminho em direção ao banheiro, minha única salvação: água, muita água pra acordar. Quinze minutos, às vezes vinte. Vinte, a última chamada. Seis e quarenta, cabelos molhados para desembaraçar, secador, creme para o rosto, protetor solar, hidratante para o corpo, cinco minutos para decidir se a blusa combina com a calça e se a calça combina com os sapatos, batom.

Olho rapidamente para o espelho. De frente, de costas, de lado, hmmmm, a blusa não está legal, justa talvez. "Justa". Estou gorda, não, não, mesmo que estivesse magra continuaria achando a mesma coisa. Mulheres, bah!Reféns de hormônios.

Pego a bolsa, apressada, mas não adianta correr. Sempre chego atrasada. Pontualmente quinze minutos. Meu chefe nem responde ao meu rosnado "bom dia" que faço questão de dizer bem baixinho pra ninguém ouvir. Não aprovo a idéia de desejar algo de bom pra alguém que não gosto. Passo pelo corredor e vejo a minha mesa, canetas espalhadas, pastas empilhadas, o dia começa. Um dia após outro, tudo igual, talvez uma folha ou outra de árvore que cai no chão mude a paisagem. A mesma rotina, as mesmas caras feias. Ligo o rádio, música de ontem, locutor de sempre, a mesma senha de computador, já me avisaram pra mudar de vez em quando, mas eu, tão acostumada à rotina..."deixa pra lá". Senha de banco, contas para pagar, telefone, água, luz. Contas. Abro a planilha, faço os cálculos, valor principal, juros, multa. Multa de trânsito, farol vermelho ultrapassado, pressa, acidente. Só uma pergunta persiste em meio ao sangue "Pra onde? Corro pra onde?" Vida breve. Vida varrida pelo tédio. Louca varrida.

 

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