RICARDO E RITA 2
Osvaldo Luiz Pastorelli
Rita estava sempre querendo mudar o tempo das coisas, pensava Ricardo enquanto chutava o cachorro que ganindo com o rabo entre as pernas foi se esconder atrás da lata de lixo. A friagem da manhã cortava a carne sonolenta como faca seca. A boca amarga revirava o estômago provocando um gosto de ácido ferruginoso dissimulado por pequenos arrotos involuntários. Tinha que esquentar o corpo dolorido. Entrou na lanchonete da esquina. Pediu duas doses duplas de conhaque com café. Sete horas indicava o relógio. Droga! Como ela tivera a coragem de deixá-lo estendido na calçada!
Pontadas de alfinetes espetavam suas costas.
Tinha que ir até o apartamento, tomar um banho, pegar suas coisas, mas
não queria encontrar com ela. Por isso resolveu andar um pouco. Estava
com uma sensação de vergonha, não queria enfrentar o olhar
de Rita, não agora, talvez mais tarde.
Até entendia a atitude deles, mais precisamente a atitude dela ao deixar
ele naquele estado. Tinham combinado não tinham? Então não
podia reclamar. Ainda ouvia as palavras da conversa que tiveram naquela tarde
de sol bonito depois do rápido lanche ao saírem do cinema no shopping.
- Precisamos sempre mudar as coisas. Você concorda? Dissera ela.
- Concordo.
- Mudanças que pode beneficiar nos dois.
- Assim espero.
- E essa mudança pode ser algo inesperado, sem que o outro nem esteja esperando, mas tem uma coisa.
- O que?
- Não pode ser alguma coisa feita de propósito, feita só porque um não goste de determinada atitude, gesto ou que possa desgostar.
- E precisamos disso?
- Talvez não, mas fará com que a gente tenha sempre um modo diferente de encarar o nosso amor, ou uma maneira de incrementar nosso namoro. O que acha?
- Tudo bem, concordo, mas deixe acrescentar uma clausula nesse acordo.
- Qual?
- Nenhum dos dois poderá reclamar.
Rita pensou um pouco.
- Certo! Aprovado.
- Perfeito.
Sim, fora perfeito naquele momento em que combinaram, mas agora, ali, andando naquele frio de uma manhã que não prometia sol, sentia-se embargado pelo que fizera. Não devia era ter se embriagado daquela maneira. O que estava feito não tinha como desfazer. Sentou no banco da praça. Era preciso fazer um pouco de hora se queria ir até ao apartamento. Era cedo, Rita ainda não saíra para o trabalho. Faltava uma hora longa.
A praça estava praticamente vazia, apenas um ou outro passeava por ali. Será que há outros casais que fazem essas coisas? Ou será que eles é que são desajustados? Aquele rapaz será que ele concordaria? Ricardo tentava compreender o que levará a fazerem esse acordo. E ontem como vinha matutando no assunto, bebera propositadamente demais. Lembrava-se que ao se levantar queria tão somente dizer que estava dando o primeiro passo na mudança combinada. Mas lhe parecia que estava com raízes os braços, as pernas e a sua voz ficou muda. Tinha noção que ficará em pé e depois mais nada lembrava. E agora estava ali na calçada acordando com aquele cachorro lambendo seu rosto. Nisso passou por ele um rapaz. Despreocupado Ricardo olhou para o rapaz que lhe devolveu o olhar. Constrangido, abaixou os olhos. Assim que o rapaz ganhou uma certa distancia, mecanicamente levantou do banco e se pôs a caminhar na mesma direção.
Pensava no porquê de tudo ser como estava sendo. Portanto para acabar com aquela angustia imatura, decidira o que deveria fazer. O rapaz notou que estava sendo seguido, mas não sabia que era intencionalmente. Parou em frente de uma vitrine. Quando Ricardo passou por ele, se virou perguntando:
- Por favor, tem fogo?
Ricardo tirou o isqueiro do bolso e acendeu o cigarro. O rapaz segurou a sua mão de uma maneira suave protegendo a chama. Durante todo o tempo fixou o olhar nos olhos de Ricardo que manteve o seu olhar fixo nele.
- Obrigado.
- De nada.
- Como você se chama?
- Ricardo.
- Prazer, Ângelo.
- Posso te acompanhar?
- Pra quê... Não, desculpe, estou com pressa.
- Tudo bem, entendo.
Ao virar a esquina, viu que o rapaz o olhava. Gostaria de ter mantido uma conversa com ele, mas o tempo urgia e precisava terminar o que estava pensando, tirar essa raiz que o prendia. Por isso acelerou o passo. Consultou o relógio. Nove horas. Rita já tinha saído. Subiu a escada de dois em dois andares, não tinha paciência de esperar o elevador. Abriu a porta do apartamento e recebeu o ar quente do ambiente fechado. Pegou um papel e rabiscou um bilhete. Foi até a cozinha tomou um gole de água e saiu.
A pulsação do corpo parecia aumentar a cada passo procurando acelerar seus pés que teimavam em não obedecer. Não podia parar. Tinha medo de fraquejar, de desistir. Portanto precisava correr, descer rapidamente as escadas do metrô e se postar na plataforma esperando o trem. E foi o que fez.
O corpo todo tremia excitado. Olhava os trilhos
que se perdiam na escuridão do túnel. De repente os faróis
do trem bateu em cheio nele. Ouviu-se um grito e logo depois se fez um silencio.
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