CRIANDO
RAÍZES?
Luciana Franzolin
Aqui em Londres eu já
fiquei presa na porta do metrô, me tranquei pra fora de casa de pijama
no frio, fiz guerrinha com bola de neve, bebi vinho tinto em pubs com lareira,
trabalhei lavando cabeça com xampu num cabeleireiro, morei numa casa
com vinte pessoas, perdi quatro telefones celulares, naveguei no rio Tamisa,
chorei ao lado do Big Ben, fui num club que é num antigo teatro gigante
para 7 mil pessoas, pratiquei yoga no Hyde Park, vi as árvores secando,
esturricadas no frio, cheias de folhas e agora floridas, vi a cidade mudar de
amarelo-laranja-outono para cinza-neblina-inverno, depois verde-clarinho-úmido
para todas-as-cores-lá-fora, senti fantasmas num edifício mais
velho que o Brasil, trabalhei com chineses fazendo massagem, cozinhei com os
cogumelos mais lindos do mundo, frescos e saborosos, me perdi nas ruas do Soho,
passei do meu ponto de ônibus 957 vezes, esperei o night bus por muitos
minutos bebendo um vinho no gargalo, me irritei com os chuveiros quando eles
existiam, alaguei a cozinha porque não sabia que não tinha ralo,
fiquei com nojo dos patos assados em Chinatown, fui em pubs que pareciam castelos
medievais, achei os castelos de verdade chatos, não encontrei o príncipe
William, fui no cannabis festival, mudei de casa 6 vezes, inventei drinks que
vendia por 30 reais, quase trabalhei num jornal árabe que teve ligação
com o atentado de Madrid, joguei roleta num cassino, fumei shisha num café
libanês tomando chá de menta, consegui divagar sobre a vida e a
condição humana por mais de três horas em inglês sem
gaguejar, aprendi mais italiano, espanhol e francês, acostumei com a idéia
de encontrar todos os queijos menos mussarela nos supermercados, tomei mais
chá com leite do que havia tomado em toda a minha vida, nunca passei
perto de um fish and chips, vi a cidade pelo vigésimo quinto andar, morei
com neozelandeses, escoceses, canadenses, russos, poloneses, italianos e espanhóis,
me apaixonei por um menino lindo de Brasília, torci meu pé e cai
com a bandeja do room service, derrubei todas as comidas menos a sopa, esqueci
o guarda-chuva e fiquei molhada mil vezes, deixei minha bolsa com o passaporte,
cartões de crédito e todos os documentos num táxi, o cara
me ligou no outro dia e devolveu, fui numa festa a fantasia de fetiches, odiei
uma sauna com 50 pessoas peladas, senti calor na rua em esporádicos dias,
me acostumei com calcinhas minúsculas, esqueci o que pensei porque deixei
de escrever, lembrei meus queridos, minhas cachorras, cheiros, comidas, saudades
na pele, uma distância amortecida, cicatrizada, esquisita, como se aqui
agora já fosse meu lugar, como se quando eu voltasse um dia, começaria
uma vida de novo, sou jornalista, fotógrafa, massagista, bartender, garçonete,
dona de casa, chef de cozinha, minha passagem e meu visto são para outubro,
e estou pensando seriamente que só mais três meses, não
vão dar conta das coisas que ainda quero fazer.
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