FUNÇÕES BÁSICAS
Leila de Barros


Não sei se é o século que estamos vivendo, ou se foi o advento da internet que nos trouxe tanta efemeridade. Tudo passou a ser processado com tanta rapidez pelos nossos cérebros, que acredito mesmo estar havendo uma transformação no núcleo de nossas células matrizes.
Afinal, elas têm de processar toda essa movimentação, digerir as notícias, fazer nossa digestão, captar informações virtuais e reais e cuidar de nossas funções básicas.
Como funções básicas defino a alimentação, respiração, locomoção, todos os sentidos enfim e alguns orgasmos, porque ninguém há de viver sem eles e ser feliz!
Atualmente as crianças são mais ágeis e sempre ávidas de tudo, mas nós também andamos assim ansiosos, como andróides sem galáxias.
As propagandas, os artigos de consumo, as letras e refrões das músicas são criados para durar muito pouco... A quantidade substituiu a qualidade e assim, tudo é genérico!
E o amor? A quantas anda o amor nessa escada rolante de informações?
Os amores virtuais estão sim, modificando nossa forma de relacionamento. Prazer e erotismo na telinhas são mais comuns do que nas camas quentes e reais, onde um bom livro ou um filme já substituem as enroladas de pernas e os abraços de reconforto.
Gostaria de saber se computador substitui o cheiro da pele e gosto do beijo também...
Mas, entre um chat e outro, surgem tantos amores ao mesmo tempo, que se há um gozo, esse é vivenciado com parcimônia, eu diria mesmo com escassez de gestos e exclamações. Quando não é sentido com multiplicidade, digamos assim um “corneamento” em cadeia. Sim, porque Maria se relaciona com Pedro, que está no Chat com Ana, que está no ICQ com David, que por sua vez usa o Orkut para ampliar seus conhecimentos virtuais...
Está certo! Não dá para negar que o planeta evoluiu, que não dá para a Ciência interromper seus avanços, que a tecnologia nos trouxe progresso e benefícios, sem os quais hoje não teríamos tantas possibilidades de comunicação entre as pessoas.
Mas, aquele espaço que era dado para dar as mãos, sentir o arrepio na coluna, sentir o hálito do outro, beijar e namorar, não existe mais.
Foi cortado de cena!
Tudo tem de ter megabytes, pixels, resolução gráfica e agilidade!
Não consigo imaginar a Ana Botafogo dançando o pás-de-deux em ritmo acelerado, não consigo imaginar um filme de longa metragem tendo suas partes mais bonitas cortadas sem perder o sentido, não consigo ver uma planta florescer sem criar raízes.
Tudo fica vago quando é simplesmente efêmero e a efemeridade tem gerado síndromes diversas e uma solidão crônico-generalizada. Tudo fica sem raízes e tende a morrer quando não damos o espaço necessário para o cultivo e o crescimento.
Enquanto não despertarmos para o fato de que nem tudo é descartável; enquanto preterirmos o real em favor do virtual, seremos apenas uma geração sem raízes e com muita tendência às famigeradas síndromes que lotam os consultórios...


 

fale com a autora

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.