DAS RAÍZES
Francisco Pascoal Pinto de Magalhães


Nas encostas férteis dos morros adubadas pelo paú arrastado pelas chuvas do último inverno os pés de macaxeira verdejavam. Promessa de boa colheita. E farinhada. Fartura de beiju, tapioca, manzape, broa, farinha d'água, farinha puba, copioba... o diabo-a-quatro.

Na velha casa-de-farinha, a enorme moenda a manivela ganhava vida com o canto animado dos trabalhadores contratados. O fogo crepitava sob o forno de barro e as mulheres tagarelavam e ralavam as santas raízes. A sustança dos filhos garantida para o resto do ano.

À noite, à luz da lua, um lobisomem solitário uivava nos baixios dos cafundós. Ninguém se importava com sua tristeza. Almas penadas vagavam à toa pelos caminhos ermos. Entre os viventes rezavam-se terços, cumpriam-se novenas, pagavam-se promessas. Nascia-se e morria-se como sempre no seu devido tempo. A terra que dava o sustento também acolhia as baixas.

O que é a vida. Deixei lá minhas raízes, as outras, e corri mundo. Nas minhas noites urbanas de solidão suspeito que ouço quase nítido o ranger choroso da antiga moenda. E bebo à saúde precária do mundo esta cachaça que me aplaca as dores da melancolia. Com raiz.

 

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