ABED-NEGO
Eduardo Prearo
Enraizou aqui mesmo mas não porque quis. Não se nutre assim como os outros que mais crescem. Talvez seja um egoísta. Não floriu muito bem da última vez. Já quis que suas pétalas fossem da cor dos reflexos dos lagos, somente seis pequenas pétalas por flor. Mas não, nem mesmo os vermes cristalizam muito por ele porque talvez feneçam no veneno da fruta. Esse fêmeo transluz na esquina da tarde, divaga pecadoramente na madrugada, é múmia alongada que afunda giratória no meio da lagoa de mercúrio...Seu mal não cortado, o mal um bem em gestação. Maltratam-no picando-o como cascavéis, mas talvez o antídoto não seja uma substância, seja o cedo sair e trabalhar mesmo que a sorrelfa porque é proibido haver desocupados. Por si só parece fraco; alguém tem que pressionar...
Enraizou aqui mesmo mas não porque quis. Antes de ser santo será o derradeiro pecador, o derradeiro ridículo. Não pisará sete vezes num espelho quebrado, não sabe se um Abed-Nego aprova essas coisas, aprova seus medos irracionais. Mas quem sabe um Abed-Nego confie nele, leve-o até o Rei, deixe-o passear não só com os olhos por aquele palácio de colunas de cristais. O Rei, sentado em seu trono de água-marinha, talvez fique feliz ao vê-lo, talvez lhe ofereça uma rosa branca ou outra flor mais poderosa até agora eclipsada. Talvez não lhe ofereça nada legal.
Enraizou aqui mesmo mas não porque
quis. Talvez nem tenha raízes. Talvez seja alucinação,
palavra da vida de um psiquiatra, pensar que as tem como os outros...
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