I
ONLY HAVE EYES FOR YOU
Bárbara Helena
"Are
the stars out tonight?
I don't know if it's cloudy or bright
I only have eyes for you... "
Poeira... ônibus na madrugada,
cansaço, cigarros, baganas, conversas entre estrelas, fome, garganta
seca, blues. A guitarra de Billie... entediada, acenando bandeira branca.
Marina recomeçara a imitar a Holliday "Maybe millions of people
go by But they all disappear from view..."
Sinal de que estava na fossa. Era certo de que entraria em outra das suas intermináveis
bebedeiras de onde seria difícil tira-la. Mas como cantava... beleza
celestial sobrevoando mesas vazias e palmas esparsas.
Impossível lutar contra os bem-alimentados pagodeiros. Os forrozeiros
que chegavam e arrebanhavam multidões. Para nós, apenas a escória
que se acoitava nos desvãos da noite,em busca de outros fracassados para
dividir as guimbas.
Via Billie, meu Billie, o dente de ouro aparecendo entre a fumaça, a
guitarra sem força e sabia que estávamos perdidos.
Mimi nem cantava mais solo, fazia apenas backing para Marina Holliday...
Foi quando decidimos jogar a toalha.
Iniciamos uma rodada de música regional, no principio com instrumentos
emprestados de colegas, depois, quando o dinheiro começou a entrar, compramos
pandeiro, violão, viola e um surdo. Dava para enganar, fazíamos
mixagem, em alguns temas, com o sax que, afinal, Billie pode dar a Marina e
o piano de Mimi que sempre era possível conseguir de algum bar ou outro.
Mudamos de categoria.
Sambas abolerados, pagodes sem alma, forrós animadinhos, aprendemos depressa o gosto azinhavrado do sucesso. Nunca fomos uma banda de multidões, mas a casa estava sempre cheia e esquecemos os blues.
Mimi pôde comprar os vestidos colantes das divas blueseiras que não combinavam com a nova música e Marina continuou seu estilo de estrela inalcançável, só que com mais batida.
Billie não trocou o dente, ficou
menos magro, lembrava Etevaldo, incorporou Cachambi. E triste, muito triste,
solitário e bêbado, entupido de erva, entrando no palco como um
zumbi.
Eu chorava todas as madrugadas, por cada um de nós, após o espetáculo,
enquanto contava o dinheiro que entrava... em breve seriamos sucesso real, as
palmas entusiasmadas ensinavam isto nas platéias lotadas, no sorriso
simpático dos donos, nas mãos bobas que procuravam nossos corpos
cansados.
Naquela noite, avaliava a casa cheia
e me preparava, pandeiro na mão, para a primeira música do espetáculo.
I only have eyes for you...
Nós três olhamos para Billie,
espantadas. Estava com a velha guitarra e começara o blues inesperado.
Gemia, vibrava, pedia ajuda.
Marina começou devagar, lá no alto, a voz maravilhosa de Billie
nativa
"Are the stars out tonight?...
Diante da platéia emudecida, Mimi
e eu, largamos pandeiro,viola e fizemos o backing vocal
"Sha bop, sha bop sha bop, sha bop... I only have eyes for you.."
Marina pegou o sax, Mimi continuou, no piano,
Janis rediviva...
" I don't know if it's cloudy or bright I only have eyes for you dear"
O blues, nosso blues, por um momento mágico, comungou com todos, caminhoneiros
e fincados na terra, madames e senhores, jovens e velhos.
Enquanto Marina retornava, cristalina
"The moon may be high But I can't see a thing in the sky " Billie
acompanhava feliz, entusiasmado, inesquecível na guitarra e nós
repetíamos "I only have eyes.. have eyes.. have eyes... for you"
entendemos que não tinha jeito. Nunca íamos deixar o blues Estava
fincado em nós, era um vício, um karma, um destino.
Com raízes
Fundas e desfigurando o coração.
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