MEU PEQUENO TESOURO
Vera Vilela

Eu arrumava a velha estante abarrotada de caixas no porão. A poeira dançava no ar, aproveitava os raios de luz que passavam pela velha veneziana. Velhas revistas, livros, desenhos e provinhas do tempo de escolinha dos filhos.

Um bonequinho de borracha - um elefantinho azul - o preferido do filho mais velho. Quantos banhos! Quantas brincadeiras entre os dois, às vezes o elefantinho tornava-se um grande dragão e soltava fogo pelas ventas, em outras era um mergulhador a procura de tesouros.

A velha boneca da caçula, cabeça de borracha toda descabelada. O corpo de pano com enchimento macio, um vestido já desbotado, mas, conservando o belo sorriso que lhe valeu o nome – Gracinha. As duas foram muito companheiras, passearam, fizeram comida, foram mãe e filha, ora amigas, em outras até irmãs.

Não tive coragem de jogar nada, como sempre, tudo que lembre a infância dos filhos são importantes!

E os livros?
Ah! Os livros!
Como jogar fora esses companheiros de solidão, muitas vezes conselheiros, outras horas apenas diversão, às vezes me tirando lágrimas, outras me roubando sorrisos.

Uma caixa com fotos. Bem antigas mesmo! O pai, a mãe, os irmãos, sobrinhos! Nossa! A família toda reunida ali. Que saudade. Uma infância maravilhosa, brincadeiras de rua: pular corda, pega-pega, passa-anel, pé na lata, carrinho de rolimã. Fazer pocinhos na terra era minha especialidade, carrinhos de carretel, minhas capuchetas ( pipas feita com jornal velho) subiam mesmo, eram de fazer inveja. Tudo de volta para a caixa, impossível jogar qualquer coisa daqui.

Serviço terminado! Achei que iria desocupar um bom espaço no porão, novas recordações aguardavam um lugar. Nada joguei. Limpei a poeira e guardei cuidadosamente todas essas inocentes recordações, relíquias de um tempo dourado, medalhas da vida e do tempo que não volta mais.

Fiquei por um tempo, ali naquele porão, olhando coisas e objetos que fizeram uma vida. Tive recordações, pude mesmo sentir cheiros, mas, onde estão essas pessoas todas que deixaram, uma a uma, pedacinhos que formaram meu tesouro?

Os pais já se foram!
Os filhos casados e montando seus próprios tesouros com os pedacinhos que guardam a cada dia.
Os irmãos tão distantes e com vidas tão diferentes. Sobrinhos ainda mais diferentes com a mistura de famílias e costumes.

E os livros!
Ah! Os livros! Ainda estão aqui! Tão atuais como antes, fiéis, companheiros. Só me restou mesmo os livros e as recordações de uma vida que passou.

 

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