MOMENTO
Ana
Terra
A crença fez-me cega. A confiança fez-me tola. Senti os grãos pairando no ar. Recusei-me analisá-los. Insisti em reduzi-los a vírus frágeis.
Sorrateiramente eles foram se instalando nos elos de uma velha corrente de aço. Vez por outra um pano para tirar o pó. Os elos brilharam novamente. Brilho falso. Pirita. Ouro de tolo.
De repente, o escuro. A verdade. Úteros explodem. Um deles expele vida. O outro é convidado à morte.
Embate entre os dois. Busca do equilíbrio. Meu peito queima. Vejo a corrente se partir. A ferrugem destrói os elos sem piedade. Minha crença é abortada. Fim da época de inocência.
Meu corpo se encolhe. Deito-me ao lado do útero castrado. Peço perdão pela minha negligência. Sinto-me feto sem lar. Fruto de um hermafrodita louco.
Choro espremido. Peço à morte que espere mais um pouco. Olhos de mel de um útero jogado no lixo fixam-me com amor.
Lá fora a terra perdida. Terra de ninguém. Terra de muitos. Terra que me prende.
Surpreendo-me pela obediência cega ao desconhecido. Rendi-me novamente.
Abro a janela. Gotas de água pingam
da chuva de ontem. Gotas que se escondem entre pequenas flores. Vejo-me ali.
Fui impedida pela miopia de enxergar o que era claro demais.
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