NOSSAS CARTAS
Ivone Carvalho

Suas cartas, reli todas, desde a primeira que recebi. Mantenho-as guardadas a sete chaves, para que jamais sejam destruídas ou perdidas. Ficarão para a posteridade e, quiçá, alguma das nossas próximas gerações as encontre e lhes dê publicidade.

Se publicadas observando-se a efeméride, facilmente contarão uma linda história de amor que, diferente dos mais belos romances, não teve um final feliz. Certamente porque não haverá um final. Porque, possivelmente, quando se tornarem públicas, ainda estaremos unidos pelos mesmos laços que sempre nos uniram muito antes de vivermos esta vida.

Com toda certeza, se as primeiras forem lidas por pessoas apaixonadas, farão com que elas sintam uma imensa vontade de também escreverem aos seus amores, para documentar ou para expor, literariamente, a grandiosidade e a beleza dos seus sentimentos.

Se os eventuais leitores se depararem com as missivas que se seguiram ao longo do tempo, terão a sensação de que o nosso amor não sobreviveu. Talvez cheguem a pensar que passamos a nos desamar, tão fortes serão as mensagens que encontrarão nesse segundo momento das nossas vidas.

Se tiverem, porém, a curiosidade ou a sensibilidade necessária para prosseguirem na leitura, mesmo após as inúmeras constatações de momentos de desprezo, ausência, indiferença, substituição e distanciamento, tão comum em todos os casais, descobrirão que a grande verdade é que vivemos, nesta vida, tão somente um, dos tantos momentos que a vida nos uniu ao longo das nossas muitas existências.

Perceberão, nossos prováveis leitores, sensíveis que serão, que o nosso amor não foi apenas um romance, como nos livros ou filmes, que não foi tão somente um relacionamento vivido dentro de uma realidade comum. Saberão, tão logo avancem na leitura de nossas epístolas, que o nosso amor foi real, porque vivido intensamente, com todas as conseqüências de uma vida a dois, onde existiu o desejo, o calor, o ardor, a necessidade da presença, as fantasias que dominam os pensamentos e o corpo de todos os seres humanos. Porém, foi muito além de tudo que se pode imaginar, porque muito mais do que o amor físico, o nosso foi o reencontro de almas gêmeas que passaram vidas se buscando para prosseguirem o que muito antes haviam iniciado. E, assim, foi coroado por amizade, carinho, compreensão, cumplicidade, proteção, bem querência, doação, entrega.

Concluirão, com os corações repletos de ternura e envolvimento, que formamos o mais puro exemplo de almas que, desde o primeiro momento, tiveram a certeza de que eternamente se buscaram, se encontraram e enlaçadas viverão, não importa quantos milênios se passem.

Suas cartas eu reli. Todas. Sorri, chorei, vibrei. Ouvi, novamente, todas as coisas boas que você me falou e documentou. Todas as nossas juras de amor eterno. Senti, novamente, o seu carinho, a sua ternura, a sua proteção, o seu amor.

As que eu não deveria ter relido, machucaram, mais uma vez, o meu coração. Mas, também não as li em vão. Arranquei do meu âmago todas as mágoas, que se juntaram às minhas lágrimas, e deram lugar ao perdão.

Nosso amor eu revivi, enquanto nossas cartas eu reli. E, mais uma vez, eu tive a certeza de que nunca o vi, mas sempre o amei. Nossos corpos ainda não se encontraram, mas as nossas almas sempre se pertenceram e estarão unidas eternamente.

A história do nosso amor eu reli e o nosso amor nós continuamos vivendo. E sempre o viveremos, de mãos dadas, abraçados, sorrindo. Com saudade quando estivermos distantes, com saudade quando estivermos juntos, mas, sem vazios, porque vivemos, em todos os momentos, um dentro do coração do outro. Porque eu o amo. Porque você me ama. Porque nós sempre nos amamos e nos amaremos por todo sempre.


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