CRÔNICA INDIGNADA DE UM ALLEGRO MISANTROPO III
Sérgio Galli

 

(ao som do quarteto de John Coltrane )

Aqui não vamos tratar de nenhuma ópera. Trata-se de um parêntese. Um interlúdio. Um réquiem para um intergaláctico. Quando já tinha enviado a última crônica soube da morte do baterista Elvin Jones. Uma lágrima. O quarteto de John Coltrane (no saxofone soprano e tenor, Mcoy Tyner, piano, Jimmy Garrison, baixo e Elvin Jones, bateria) foi um momento sublime, sagrado do jazz e da música. Talvez tenha sido o auge. Ainda teve um respiradouro com Ornette Coleman. Depois, o fim. A música é o que ainda redime o pouco que resta do homo demens. Os discos memoráreis desse quarteto (My Favorite Things, A love supreme, Expression, Meditations, Impressions, até Interstellar Space, já sem Elvin Jones e apenas Coltrane e outro baterista, Rachid Ali) revelam toda a inquietação, a energia, a densidade, beira a atonalidade sem perder a melodia e a improvisação. Era o prenúncio de que havia se chegado a um extremo, a um espaço interestelar. A obsessão com que -- talvez já soubesse que o fim estava próximo -- Coltrane perseguia um som diferente não apenas para o seu saxofone, nem somente para o jazz, mas para a música, era algo espiritual e ao mesmo tempo matemático. Suas infinitas infindáveis intermináveis improvisações não eram aleatórias, havia uma pauta. E para segurar toda essa massa sonora alguém segurava as pontas: o baterista Elvin Jones.

Coltrane morreu em julho de 1967. O famoso quarteto também. Amiúde, a música muito provavelmente. Com o final dos anos 60 o sonho acabou. E com ele, a utopia. A arte. A não ser que se chame de “arte” esse lixo que invade as ruas, as cidades, o espaço, o tempo, nossas mentes e corações. Jamais teremos novamente um Bach, um Beethoven, um Brahms, um Bartok, um Haydn, um Schubert, um Monteverdi, um Palestrina, um Mahler, um Shostakovich, um Messiaen, um Charlie Parker, um Louis Armstrong, um Miles Davis, um Coltrane... Quiçá, Goethe, Aristóteles, Eurípedes, Cervantes, Balzac, Dostoievski, Tolstoi, Thomas Mann... Goya, Bosch, Rembrandt, Da Vinci, van Gogh, Picasso...

A banalização do mal se expandiu para as mais várias áreas, particularmente na arte. A vulgaridade é a regra. Cada vez mais se desce um degrau no nivelamento por baixo em todos os setores. A burguesia já foi muito melhor até nesse aspecto. Ela era a mecenas dos grandes compositores. Nos salões burgueses ouvi-se os Divertimentos de Mozart e lia-se Stendahl, Schiller, Byron, Goethe. Agora a burguesia tem em suas mão, entre outros “brinquedos” a chamada “indústria do entretenimento”, que já foi chamada de “indústria cultural”, “cultura de massa”. Ou seja, nossos ouvidos já entupidos pela poluição sonora exalada pela tirania do automóvel, pelo barulho rotineiro da cidade, agora ainda tem de suportar os ruídos exalados por chitãozinho e xororó, daniela mercury, ivete sangalo, titãs, carlinhos marrom, caetano, gil, rita lee, madona, julio iglesias, sandy e junior, zeca pagodinho, rap, axé, funk, “pagode”... Chafurdar-se no lixo parece ser o supra-sumo. Tudo isso, claro, vem muito bem embalado com belos adjetivos: pop pop art “muderno’ vanguarda pós-moderno. E, como qualquer produto, a embalagem é mais importante do que o conteúdo, o rótulo da moda: world music! Que, repito, como qualquer mercadoria – tudo hoje é mercadoria para o Deus Mercado – é muito bem embalado... e vazio oco por dentro. Tenta dizer muito e não diz nada. Tudo ao gosto do freguês. Enfim, reina o império da mediocridade.

Bem, deixo de lado essas minhas obsessões de indignado misantropo cronista que o melhor é dar uma chance aos nossos ouvidos mentes e corações para o deleite meditativo na música Coltrane e sua troupe.



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