O BOLO
Olívia

Tinha mania de bolos sempre que algo a incomodava. Bolos estes de lambuzar lábios e engordar barriga.

Conta telefônica alta por culpa de namoro novo com mulatinho do Rio. De Janeiro. Era batata: floresta negra. Um desespero bagunçado lhe punha a bater o bendito, que crescia feito sobrinha que anda sumida das vistas da tia. E ficava bonito. De encher os olhos de gula e a boca d'água.

Depois de pronto, assentava o desatino. Ligava o rádio de pilha chiador, e assoviava Roberto Carlos.

A mãe. Hipocondríaca desde sempre, de saúde alta e braços fortes, seguidos de cotovelos calejados, de tanto olhar vida alheia na mureta da casinha sua. Quando esta telefonava avisando da visita, era tormento novo.

Incomodava o zum-zum-zum da velha, o disse-que-disse, a ladainha de febre-dor-nas-juntas-amarelice-na-pele.

Era certeza: um quentinho de fubá. Desses bem cheirosinhos, que chamavam a atenção da vizinha chata, que apontava na janela e gritava:

"-Huuuummm, é de fubá?"

Sim, era desses. De acordar desejos.

Era ensimesmada; bicho quieto. Tinha sempre a gata vira-lata ronronenta enroscando em suas pernas canela.

E Roberto chiando no rádio.

Sonhava com o tal mulatinho. Sotaque gostoso. Conhecera o "nego" no armazém da rua. Era vendedor, destes que representam firma. E morava no Rio. De Janeiro. E iam correpondendo-se por carta e vez por outra telefone.

Sexta feira era o dia. Toda sexta recebia umazinha do moço.

Amanheceu a sexta contente.

O carteiro amarelado passou reto. Nem olhou. Desesperou, a pobre.

Foi de pronto até a cozinha.

Lacrimando, ela batia outro. Desta vez, um de limão. Azedinho mesmo, e estufado, como os outros.

E o rádio, então, lamuriava uma canção do Roberto.


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